quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Extraterrestre

O slogan de capa é: “O melhor filme dos marretas de sempre”. Se não for, é pelo menos uma obra imprescindível em qualquer ‘lar’. Gonzo descobre que afinal é apenas uma ‘coisa’ inclassificável, quando Noé lhe pergunta, à porta da barca e do dilúvio, “qual é a tua espécie?’. A saga desenvolve-se nessa busca de identidade. Os pormenores são deliciosos, e vemos os três cá em casa, curtindo montes, se querem saber.
Espero que Jim Henson reencarne em qualquer coisa com cabeça tronco e membros, na próxima vida, para continuar a fazer magia. À conta de “Os Marretas no Espaço”, tenho alcunha provisória para a raposa: "Oh extraterrestre, baza comprar o jornal!"

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Eu bruxa. Tu fada?

Estava eu aqui a tentar escrever qualquer coisa sobre o que poderia ter sido a “estória estroina” quando me apareceu um site sobre a desconstrução dos medos infantis na literatura infantil, nem de propósito.
Foi com base na crítica às narrativas de acontecimentos terríveis das historietas que a ideia surgiu, e foi com a falta de figuras realmente más que ela ficou. Mas não, não foi “tempo perdido”. Foi um ensaio. E só assim tudo faz sentido.
Bem, eu não tenho pretensão a que tudo se justifique com resultados palpáveis. Para mim este é o meu espaço infantil, e se me apetecer dizer disparates digo-os. Ponto.
Seja como for, aqui ficam partes roubadas a um site de alguém:

(...)
"O medo de bruxa pode ser relacionado a dois degraus da escada do desejo e do medo proposta pelo psicólogo Jean-Yves Leloup: medo da separação e medo de ser rejeitado pela sociedade."

“Desejo e medo são elementos fundamentais para a evolução dos seres humanos, uma vez que temos medo do que desejamos e desejamos o que nos faz medo”
...
"Instaura-se, assim, o dilema infantil: como sentir raiva de alguém tão amado sem ferir-lhe os sentimentos e perdê-la? Manifesta-se a necessidade de dividir a figura materna em duas partes que corresponderiam a fada, vertente positiva, e a bruxa, lado negativo."
...
"A bruxa, para vivificar esses desejos de vingança infantil, tem de corresponder a um ser detestável."
Cristiane Madanêlo de Oliveira

"Quando zanga, vira bruxa / Quando ama, vira fada."
Iêda de Oliveira

segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Tragicamente decapitado...


Vendia gelados numa carrinha verde, e andava em círculos sem ficar tonto - o primeiro a perder a cabeça cá em casa (not my fault)!

domingo, 27 de novembro de 2005

Estória estroina

Mães/Mulheres de todo o mundo,...
Queríamos dizer-vos que as MMÁs se reuniram novamente (níveis de comparência muito acima da média – éramos cinco, uma delas com um filho que já não dorme sesta: tem 27 anos).
As crianças recusaram-se a trocar a mãe pela babysitter, a babysitter foi-se, e a sala acabou pejada de bolachas espezinhadas por dois pares de botas número 20 /22 que por lá andaram até ao final.
Começámos por gravar a estória, andámos ali a zumbir à volta de um monstro com um exército de mosquitos peritos em saber dos sonhos alheios graças às amostras recolhidas vampirescamente,... aquilo não tinha bem rumo e optámos por um sistema menos interessante, com menos discussão, mas mais categórico e eficaz.
Cada uma escreve a frase e passa. Aqui fica a manta pintada:

“O tempo conhecido por Picati dava início a um mundo maravilhoso por descobrir. Este naco de tempo não tinha horas nem dias nem meses. Por causa disso, deu-se o aparecimento de um par de relógios, dois instrumentos muito pontuais, que vieram trazer uma ordem que ninguém queria a Picati. Revoltas se deram, teorias se criaram sobre os segundos que queriam ser minutos, os minutos horas, estes dias, e até os anos lutavam pela eternidade. Picati, Picato, Picatú, Picatá, Picaté, PUM PUM! Eis que brota o nosso capuz, verde verdinho, capuchinho! O capuchinho vinha dar uma noção de tempo a este novo mundo: “Mas quanto demora um segundo?”, interrogou-se. Arrotou pois a questão era difícil e provocou-lhe um mal-estar digestivo. Ups. Ficou decidido. Três arrotos são tempo suficiente para se chegar a Picati, conquistar admiração de Picateiros e Picateiras. O capuchinho verde falou aos Picateiros da vantagem de se ter um tempo. Eles, boquiabertos, não percebiam, uns calculavam que devia ser imprudente, outros reclamavam um possível aumento de criminalidade Picatashu. No fundo perguntavam: o que fazemos nós com o tempo? Para que serve? O tempo divide a vida em idades e em cada idade, a seu tempo, devemos fazer alguma coisa. O tempo manda-nos fazer coisas porque se não fizermos perdemos tempo, respondeu o capuchinho. E é também a melhor forma de fazer amigos! Podes marcar um encontro no cinema, um lanche... sem tempo deixavas de conseguir combiná-los.
Os Picateiros e Picateiras fecharam os olhos, de repente, o capuchinho deixou de existir. Onde estááá o capuchiiinho? Riram-se que nem uns doidos e acabaram por concluir que não tinham tempo para conversas com estranhos”.

Análises psicanalíticas só com marcação!
Bem hajam MMÁs com tempo!

sábado, 26 de novembro de 2005

O Livro de Mórmon

Um grande amigo - chamo-lhe o Gato Preto - converteu-se aos Mórmon. É uma história de vida ‘schetrordinária’. Não interessa. O que interessa é que não o via tão tranquilo há muito tempo. Fui convidada para a celebração, evento, rito, sei lá, em que foi mandatado Hélder pelo culto em questão, e eu só não fui com a pequenita em punhos porque estava fora de Lisboa – se em causa estivessem 100 cordas vocais afro-africanas singing Gospel, acho que teria adiado a viagem. Anyway, conto aparecer um dia destes lá na igreja, já tenho um Livro de Mórmon para ler, e todos os meses Gato Preto aparece depois das 23h00, normalmente à sexta-feira, para me trazer a palavra do Senhor. Help. Já lhe expliquei que me pode vir falar do ‘Pai’ as vezes que quiser, oiço-o com a mesma atenção com que oiço um amigo prostituto - chamo-lhe o Beija-mim - falar das fantasias dos clientes, ou a minha vizinha de 80 anos a queixar-se das dores na coluna, mas agora conversão, ai isso não. Ontem, já eu de pijama, entre os lençóis, perguntou se podia trazer na seguinte visita dois colegas – dois HELDERES – e eu ofereci-lhe o calendário que os meus amigos evangelistas me deram há uma semana.
God help me.

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Entrei decidida pela porta dentro

Entrei decidida pela porta dentro, papel na mão, nariz para cima, peito erguido com se enfrentasse sem receio nem pudor dragão alado a cuspir fogo.
“- aqui está” - disse, com a voz um pouco mais elevada, porque tenho por hábito falar baixo e pensei que não me ouviria ou pelo menos não me levaria a sério se apenas suspirasse asmaticamente a melhor decisão que tomava desde os 27 anos.
Ele levantou a enorme cabeça e olhou-me lentamente. Ao contrário das outras vezes não me senti despida. O momento foi lento, ou pelo menos assim me pareceu. Mas não cedi nos meus intentos.
“- a minha demissão. Fico mais uma semana apenas para fechar alguns assuntos. Depois tiro férias. Não volto mais.”
Pareceu-me que piscou os olhos mas não me recordo bem. Perguntou atónito: “não pode ser, não pode sair assim!”
“- Claro que posso“– retorqui – “Vou sair de Lisboa e começar uma nova vida. Quero mexer na terra e sentir a minha filha a crescer!” - e sem mais despejei a minha carta de demissão em cima da confusa secretária do chefe e com a mesma certeza com que entrei saí, sem medo, porta fora.

Sonhei isto acordada na quarta feira.

Hoje é sexta, são 19h00 e ainda estou no escritório.

Volto na segunda.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Para fazer jus ao lugar de engate: o meu é melhor que o teu.



A lenda do tigre de ouro

Universidade de Oxford, 1990
– Dr. Geovani está atrasado… … … três horas! A reunião acabou! Diz o chefe da universidade.
– – Desculpe Maxie, estive com o meu irmão Archie a tentardesvendar uns hieróglifos Tamacas sobre um tigre de ouro – diz Geovani.
– – Grr…grrr… hahaha! Isso é de loucos! Hahaha! – “descontrolou-se” Maxie.
– É assim?! Eu vou mostrar-lhe! Vou provar que o tigre existe! – exclamou Geovani.
3 anos depois…
A mercadoria, os mantimentos e as roupas estão no avião, já temos a tripulação, OK está tudo – afirma Geovani.
9 horas depois… no Brasil, floresta da Amazónia…
– Finalmente chegámos! – exclama Geovani – Agora é só ir para o templo.
1 hora depois… templo do tigre Tamaca
– Cheguei finalmente! – exclama Geovani.
Uns minutos depois… dentro do templo…
– Ahh!!! Armadilhas! Ó não paredes que se movem! Vou morrer!
De repente uma luz muito forte surge, era o tigre de ouro, mais conhecido por Roikou. O tigre salvou Geovani da morte certa!
– Hãã?! Onde estou? É a minha casa! Mas não me lembro de nada!
Assim Raikou tinha savado Geovani da sua morte, bem parece que nem todos os animais selvagens são de mau coração.

Ora aqui está a prosa do meu bicho-das-castanhas (11 anos) sem tirar nem por, para um concurso literário da escola.
Sou mmá, pior sou péssima, mas babaaaaaaaaaada.

prendas

Recebi este mail e acredito que possa ser uma óptima prenda de Natal.




Olá,
Venho falar-vos de um livro de receitas para crianças, que acabou de ser editado através da editora Sopa de Letras, pela Acreditar - Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro. Vai estar à venda directamente na Acreditar (R. Prof.Lima Basto nº 73 em frente do IPO) ou nas livrarias já a partir da próxima semana (21 de Novembro). Não deixem de o comprar para oferecer aos vossos filhos, sobrinhos, afilhados, primos, e amigos....e ao mesmo tempo ajudarem uma boa causa.

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Blumen


Flores para as duas novas MMÁs onblog.

Kussondulola

A minha filha – ‘raposinha’ - está viciada. Descobriu a música “Atrás do Arco-Íris” dos Kusson e agora há quinze dias que ouvimos o comboio apitar, pelo menos 15 vezes por noite:
Apesar da vida dura
Paz na consciência
Fomos convidados
Para a festa eterna
Peguem nas crianças
Não olhem para trás
Deixem-nas ouvir o que diz a profecia
Caminho d’abundância
Caminho paraíso
A hora é de mudança
É para todos o aviso

Aqui entre nós,... acho que a música foi bem escolhida. Acontecem fenómenos misteriosos nos meus dias. Espero a mudança.

A Sofia e os meninos da "Casa Mãe"

A profissão de jornalista não se compadece com horários rígidos de escolas e infantários. Foi por isso que o prior António Cardoso propôs que levasse a minha filha no dia marcado para a reportagem sobre a "Casa Mãe".
Naquela tarde quente de Julho estacionei à porta do centro de acolhimento temporário para crianças em risco, em Aveiras de Cima, no concelho de Azambuja.
Subi a íngreme escadaria branca que dá para o refúgio secreto dos meninos que ali preenchem os dias. Protegidos dos maus-tratos, da violência psicológica, da falta de condições dignas para viver.
De um lado levava o saco com a máquina fotográfica e bloco de apontamentos. Do outro lado a Sofia, 10 meses acabados de fazer. Esperava-me uma das reportagens mais difícieis da minha vida. Como iria separar o meu papel de mãe do que repórter?
Foram os meninos da "Casa Mãe" - órfãos de pais vivos - como lhes chamou o prior António Cardoso - que me indicaram o caminho. A Sofia foi imediatamente "adoptada". Instalei-a no carrinho e logo duas meninas se ofereceram para a passear pela casa. Tal como faziam habitualmente com a pequena Carol de cinco meses. A bebé nasceu numa madrugada gélida de Fevereiro, no mesmo dia em que a "Casa Mãe" abriu as portas. A ausência da progenitora era ali compensada com uma alargada família de irmãos.
A Sofia e a pequena Carol mantinham-se silenciosas percorrendo os corredores da casa. Mimadas com bonecos e brincadeiras. Eu ia recolhendo elementos para a reportagem.
O meu trabalho estava agora triplamente dificultado. Tinha acabado de quebrar todas as regras de objectividade e distanciamento e seria difícil deixar de lado as emoções.
Como iria explicar aos leitores que apesar da dureza das palavras "acolhimento temporário", as crianças que ali se refugiava emanavam doçura e tranquilidade? Apesar dos maus tratos, da violência psicológica, da falta de condições dignas para viver...
Percebi que naquele sítio mágico a infelicidade fica - nem que seja por uma temporada - do lado de fora do portão.

Eu assumo, tenho um fantasma.

A maior parte das vezes reagimos ao mundo infantil, repleto de fantasias, descobertas e originalidades, de forma preconceituosa. No caminho para adultos, esquecemo-nos dos nossos amigos invisíveis com os quais brincávamos entusiasmados. Que pena. Agora, se arranjamos um fantasma com quem mantemos conversas mentais, o sentimentos que afloram são imediatos, culpa e vergonha. Durante o crescer colocamo-nos regras, e reprogramamo-nos na falsa tranquilidade do saber, ou pensar que se sabe. Limitamos a nossa visão à própria vivência. E quando a criança brinca com as tampas dos tachos, em vez do último modelo de um qualquer brinquedo caríssimo cheio de efeitos fantásticos, não percebemos. Reclamamos imediatamente: que desperdício, que desarrumação, que mania de espalhar tudo pela casa, que trabalheira a lavar e arrumar as tampas, que barulheira, que desinteresse…
E se não podemos abrir a caixa dos cereais, entretanto vazia, porque lá dentro está preso o maior dragão que existiu à face deste planeta, temos vulgarmente a tendência de querermos ser esclarecedores, explicando de forma simples que já não existem dragões. Chegamos até a ser mais arrojados ao dizermos que nunca existiram. Está assim criada a desculpa de nos termos desfeito da caixa fantástica na qual tropeçámos no caminho para a cozinha. Que pena.
Pois eu assumo que ainda tenho fantasmas. Mais, assumo que acredito no Pai Natal. Mais ainda, cultivo vivamente o ritual de fazer aparecer, como que por magia, as prendas ao redor da árvore decorada pelos meus filhos. E este ano não me posso esquecer de embrulhar meia dúzia de tampas e uma dúzia de molas da roupa.

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Cheguei!

foi um parto difícil.... e nada a dizer para já....

prometo melhores contributos

sábado, 19 de novembro de 2005

Eu sou eu, e tu és tu

Hoje recebi uma carta por correio. Céus, há quanto tempo não abria um envelope azul, com papel lá dentro, e uma caligrafia para decifrar. Vinha de uma amiga que mora a 300 quilómetros, perto do mar, e que ainda hoje me parece um bocadinho feita de qualquer material desconhecido, prestes a desmontar-se a qualquer momento, porque não a consigo bem enfiar nos conceitos que fui elaborando sobre o mundo, as pessoas, os bichos, as plantas. Logo no cabeçalho, li Vietname, mas depois rectifiquei. Bolas, Vietname? Tu de facto precisas de óculos. Sim, tu! Eu? Sim, eu.
Curiosamente acho que esta coisa dos pronomes pessoais é uma das questões gramático-metafísicas mais difíceis de explicar às crianças.
-"Oh miúda, tu não me sujes com essas mãos cheias de chocolate".
-“Tu mexes!”.
-"Não, tu és eu, não percebes? Eu sou eu, e tu és tu. Ou melhor, tu és eu. Tu dizes “Eu mexo”, eu é que digo que tu não mexes.
Ufa.
Querida amiga M., se tu não tivesses estado tão perto, alguns dias e noites teriam sido muito menos claros, muito mais escuros.

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

“O que a criança mais precisa e deseja é aprender, quanto mais, melhor...”
“Timidez é a perda da liberdade de tomar iniciativa, é a repressão da espontaneidade, como resultado de sucessivas críticas e reprovações ao comportamento espontâneo e natural manifestado pelo bebé e pela criança durante os primeiros anos de vida.”
Não seremos todos crianças tímidas?

terça-feira, 15 de novembro de 2005

1996, Fevereiro, Berlim

Estou perto do S-Bahn Kleistpark, linha azul quase turquesa, se bem me lembro. O Inverno continua eterno. E os dias escuros. Tenho a Teresinha, dos seus dois anos e alguns meses, no carrinho. Empurro-a com meus braços. Passeamos o passeio do bairro, às voltas de Erdmmanstrasse. O comboio passa na linha, de cinco em cinco minutos. Atrás, o cemitério onde repousam as memórias aos irmãos Grimm. As árvores são as de todos os dias, igualmente despidas, sem cor, sem cheiro, regeladas. Poucas pessoas caminham na rua e só nós vagueamos.
Um rapazito em cima de uma bicicleta que é o seu cavalo vem ter connosco e pergunta-me com ar sério, num alemão com sotaque e perro: “Que horas são? Sabes onde fica o S-Bahn Kleistpark?”. Eu respondo. Logo de seguida queria saber se eu era alemã, se a Teresa era minha filha, se eu tinha homem, como, onde e quando tinha feito amor com ele pela primeira vez, se me tinha doído, se achava que ele me podia dar um beijo, se podia dormir comigo, e se ...se o sexo era só para gente grande e porquê.
Chamava-se Dennis, tinha 11 anos e era Jugoslavo. A enxurrada de perguntas que me fez..., não podia imaginar que fosse possível tanto desejo e ‘atrevimento’. Não sabia o que responder-lhe. Estava perplexa e percebia que ele já tinha espreitado alguma coisa para cada coisa que perguntava. “Sei lá, não te beijo porque,... porque me pediste um beijo e eu não gosto que me peçam beijos, porque eu não estou habituada a beijar meninos de 10 anos que querem experimentar fazer sexo com a primeira mulher que encontrem na rua.” Chegou mesmo a perguntar se eu queria fazer amor com ele, se queria ou não, e se não queria por ele ser muito novo e porque é que ele tinha que esperar se ‘já a tinha grande e dura’.
Queria saber a que horas chegava o meu homem e se fazia amor com ele todas as noites. Contou também a sua história, a da rapariga que conheceu e em quem pensou enquanto se baloiçava com a mão na casa de banho. Descreveu...” e depois veio um branco de repente.” Perguntou-me se era aquilo que fazia as crianças, se comigo tinha sido assim e se eu queria ter mais alguma. Falou-me do que os homens diziam e não diziam sobre isso de ter uma vontade vulcânica de tocar numa mulher. Eu disse-lhe que os homens diziam muitas coisas e que um dia ele iria descobrir se eram verdade ou não, mas ele não queria esperar uma eternidade de anos para dormir com uma mulher, e eu bem podia dormir com ele. Porque não? E eu não sabia explicar-lhe.
Aquela conversa interminável, sob a forma de interrogatório, começava a impacientar-me. De qualquer modo, tinha já por ele uma cumplicidade e ternura, ou qualquer coisa desse tipo.
Já perto de casa, mais exactamente nas escadas envelhecidas de madeira, e sem os lábios lhe tremerem, disse-me: “Só um beijo!”, e eu, sem saber muito bem porque sim ou porque não, acenei-lhe com um sorriso, enquanto a Teresinha, despreocupadamente, me agarrava na mão e acenava com a outra.
-“Dennis, kommt wieder?”
-“Sim, claro! Dennis kommt wieder!”

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Apresentação

MMÁs muitíssimo mais do que assíduas, MMÁs por um dia, candidatas a MMÁs, membro-projecto-de-comparência-ainda-falhada por muitas MMÁs e boas razões, a todas gostaríamos de dizer que alargámos o nosso target: PHN (Pais: Homens Neutros) – Just joking! De qualquer modo, a propósito do assunto, não se negam comparências a ninguém na Casa dos Dias d’ Água, independentemente do sexo e orientação.

Esta conversa toda para dizer que nas três sessões da recente existência das MMÁs, à excepção da primeira em que conseguimos ser mais de uma dezena, notamos que afinal os motivos pelos quais as caríssimas gostariam de vir estão também em alguns casos na origem das suas ausências. Como ainda não conseguimos um encontro com todas, sem viroses, encontros familiares, trabalho de trazer por casa, passeatas ao campo, ou pura preguiça pelo meio, queríamos convidar-vos a concretizar no Blog a primeira expectativa que tivemos com o grupo todo: Apresentarmo-nos. Façam-no nas línguas maternas – como é óbvio -, sob a forma de comentários a este post.

Aproveitamos para lembrar que o próximo encontro é dia 27, e está programada uma sessão de brain storming para criar uma história (infantil, juvenil, de terror ou romance histórico para mais de 18).

Yours,

MMAS

Chapa’das

Hoje, durante a barafunda normal do jantar:
– Blá, blákdlh ogjupaelc … e, se tornas a falar nesse tom, as minhas mãos terão todo o prazer em ter uma conversa séria contigo – digo em tom de aviso ao meu filho de 11 anos.
– Humpft – exclama com tom de enfado – Reuniões intercalares.

domingo, 13 de novembro de 2005

Pensadora

Já a tinha colado de uma outra vez. Não ficou perfeita, pelo menos aos meus sentidos. Insistia nas opiniões de outros que se revelavam atentos aos meus caprichos.
– Está perfeita.
– Mas não vez aqui esta ranhura?
– Qual ranhura?
– Esta. Aqui a cola não ficou bem disfarçada.
– Não vejo nenhuma cola.
– Olha lá bem.
– Não, desculpa mas não vejo nada de mal aqui.
Sempre que lhe limpava o pó sentia cada pedaço que tinha colado. Até mesmo aquelas fissuras que tinha reparado com precisão cirúrgica. O tacto tem a crueldade de nos mostrar o que não os olhos não sentem.
Com o passar dos tempos, gastos por outros tantos tempos passados, deixei que o esquecimento dos outros me apoderasse. Para o agrado geral deixei até de lhe limpar o pó. Com a inactividade, a camada do ranço poeirento deu-lhe o ar místico da herança das gerações mortas.
Hoje alguma coisa me fez olha-la embasbacada. Não percebi se se tinha dado ao tempo ou se era o tempo que a tinha possuído contra vontade.
Decidida arrastei com o braço a confusão da mesa, preparei a cadeira para as vontades da demora, coloquei a pensadora em lugar destacado no espaço agora vazio. Agarrei num pano embebido na fúria do vento e lavei-a com o carinho das bolas de sabão na água morna de um banho de imersão.
Louca.
Devia ter resistido ao impulso lhe retirar as demências.
Agora, entre a surpresa e a tristeza do estilhaçar dos tempos já nem o cuspo lhe vale.

Castillium 10

São umas pílulas brancas, com um risco ao meio, para as poder partir assim com a ponta da unha, enfiar meia de manhã, outra de sobremesa ao almoço e uma inteirinha à noite. Ando com elas na mala há uns cinco meses, e antes de ir à farmácia comprá-las, esperei que tudo de repente se convertesse num conto de fadas, daqueles em que ninguém pergunta: mas como raio é que a princesa ficou anos no quarto mais alto da torre mais alta à espera que o príncipe encantado matasse o dragão para a salvar? Comeu o quê a rapariga? Como é que se aguentou tanto tempo fechada dentro de quatro paredes, sem telefone nem Internet? Em dias de período, onde é que ia aos tampões? Pronto. O conto de fadas é outra história e os meus dias andam há mais de um ano a atropelarem, bem a atropelarem-me a mim mesma. Um dragão que cospe fogo, um quarto fechado, um expectativa que os dias adiam para os meses e os meses continuam sem dar resposta. Perdi uma amiga, que morreu em Novembro passado. Perdi um trabalho e com ele o meu melhor amigo. Ganhei um equívoco. Estive quase dois anos a ver o Tejo negro, da janela aberta para a noite, trancada em casa, com a minha filha a dormir, sem poder pôr o pé fora de casa, pois o meu cavaleiro tinha a maldição de um work every night e at weekend também. Depois aconteceu isto e aquilo, isto e aquilo, e as minhas forças chegaram aos níveis das reservadas de água do país, à vitalidade dos hectares consumidos pelo fogo deste Verão.
O telefone começou a tocar cada vez menos. Eu comecei a falar cada vez mais alto, mas sozinha. Às vezes lá havia uma amiga que apanhava com os resumos de algumas fendas sem chave, ou com a verborreia de certas chaves de fenda que simplesmente não conseguia usar nem para abrir nem para fechar nada do que caía aos bocados no meu corpo, na minha cabeça. Outro dia tive de escrever uma autobiografia de 2 mil caracteres, ou seja, definir a minha vida em 10 frases. A primeira coisa que escrevi foi: “Idade da crucificação e ressurreição”. De facto, senti-me pregada a qualquer coisa imóvel, nos pés e nas mãos. Mas acredito, tenho a certeza, que é também o momento de nascer outra vez, e é isso que tento fazer quando não sou consumida pela derrota do quotidiano, e enquanto vou engolindo pílulas umas atrás das outras. Não sei já quem sou. Até parece mal, mas é um bocadinho assim. Não há muito tempo, agarrei num lençol velho e enfiei lá dentro 40 por cento do meu guarda-roupa. Fechei a coisa com um nó e entreguei-a a um tipo na feira da ladra, por nada, nem um cêntimo. Não é difícil concluir que passo uma crise de identidade, semelhante à que é normal por volta da adolescência.
Sei que afinal tudo gira à tua volta nas voltas que repito sobre mim, e nessa espiral estou sem nome, sem morada, a gemer em silêncio, na cama, em sonhos de tarântulas de botas altas e cabeleiras postiças. Gemo como o fazes às vezes, porque o imaginário na noite e no cérebro tem destes medos, e as palavras saem assim, autistas da nossa boca. Gemo como o fazes, como o fizeste ainda agora, e eu permaneci sentada, subi a calçada, ouvi a gaita do eléctrico, desliguei a sopa, deitei-me nos lençóis suados dos anos quentes, dos fogos extintos, do medo do futuro, e da vontade de agarrar em mim, na tua mão e levar-te para longe de tudo isto. Não sei, não sei se estás a ouvir-me, se me ouves melhor do que penso, se posso pedir-te conselhos, fi-lo hoje pela primeira vez, e não me disse-te mais nada, acho que não me disseste mais nada além de um ‘cozinha não, cozinha não’. Agora não queres os meus beijos porque ficas com lipstick, afastaste-me a cara explicando bem porquê e nesse instante perguntei-me se deveria deixar de me esborratar de vermelho, mas logo decidi que não. Não podemos fugir de tudo.

sábado, 12 de novembro de 2005

Onde

Casa dos Dias d’Água, em Lisboa,
aos domingos, pelas 16h00 (primeiro e terceiro fim-de-semana de cada mês)

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Conceito

Ser mãe é o melhor que pode acontecer a alguém e as crianças são o melhor do mundo - dois paradigmas que a sociedade promove, sem dar tempo, espaço e liberdade intelectual ou sentimental para a concretização de ambas as maravilhas.
Haverá mulheres em aldeias do interior que na vindima fazem terapia de grupo, outras em centros urbanos cosmopolitas que se organizam para verbalizar diários interiores, algumas em sociedades islâmicas que fazem dos banhos públicos lugares para lavagem da alma, e certos exemplos em comunidades indígenas com rituais de regeneração e emancipação feminina do corpo e da ‘alma’, depois da procriação.
Para muitas mulheres certos momentos da maternidade, sobretudo recente, são labirintos de angústia e felicidade, vazio e preenchimento, renúncia e apropriação, resignação e revolta, demissão e entrega, abandono e encontro, cedência e discordância.
Porque os parques infantis de Lisboa são muitas vezes lugares de ‘engate’ entre mulheres que escorregam e baloiçam ao lado das suas crianças, numa esperança de cinco minutos de partilha sobre a aridez de um quotidiano tantas vezes cheio de isolamento, esgotamento, medos e silêncios, surgiram as ‘mmás’.
1. Grupo de auto apoio para mulheres-mães;
2. Encontros/exercícios de reclamação pela identidade, individualidade, autonomia;
3. Ausência de supervisão técnica;
4. Gestão colectiva de finalidades e percursos do grupo;
5. Liberdade para definição de iniciativas (convite a pessoas de áreas diferentes, com propostas de informação, debate, formação ou experimentação
- médicos, pediatras, psicólogos, sexólogos, teólogos, sociólogos,
antropólogos, pintores, músicos, bailarinos, animadores, arrumadores - ou apenas exercícios que se possam praticar de forma endógena sem recurso a elementos exteriores às mmás).
6. Algumas pistas de experimentação:
- A dualidade/individualidade mãe-filho;
- Relações: sexuais, conjugais, afectivas, familiares, sociais, profissionais;
- O corpo, a libido, a imaginação;
- O risco, a irresponsabilidade, a infantilidade;
- A gestão do contraditório, do conflito;
- Relações interpessoais entre (des)conhecidos;
- Construção de um projecto;
7. Existência de um espaço contíguo preparado para receber crianças (com babysitter) e possibilidade de se desenvolverem actividades alternativas com os miúdos também;