terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

Ovo de Colombo

"Quando vou às casas de banho do Colombo, os fraldários estão nas casas de banho das mulheres. Isto é altamente formatador."
"Uma mãe solteira é vista como o resultado de um azar na vida ou de uma pouca-vergonha. Um pai solteiro é uma pessoa muito corajosa. Acho que sofro uma discriminação positiva, mas que advém de um preconceito terrível."

Duas coisas óbvias, que só ganham força por terem sido ditas por um pai solteiro a uma reportagem de Sarah Adamapoulos publicada da NS' desta semana. Um pai solteiro é aquele que adopta uma criança sozinho. A NS' é a revista que sucedeu à Grande Reportagem.
No editorial, Francisco Camacho defende que "convém pôr cobro a algumas futilidades medievais que subsistem neste problema [da adpoção], como a importância dada à orientação sexual dos candidatos a pais adoptivos".
Cresci numa casa grande, onde cabiam todos os amigos da minha mãe. Muitos chegaram a morar lá. Todos levavam namorados e namoradas, maridos e mulheres. Alguns eram homossexuais, outros bi e outros hetero. Para mim tudo aquilo era normal. Houve um dia que a minha mãe teve que me explicar que não podia dizer em público "o quarto da J e da L", porque havia preconceitos contra os homossexuais. Teve que me explicar o que era um pré-conceito e o que era um homo-sexual. Homo, hetero. Mesmo, diferente. Percebi os conceitos linguísticos, mas nunca percebi o preconceito.
Para mim, felizmente, o preconceito apareceu depois. O preconceito dos outros, leia-se. O que eu sempre vi foi casais e pouco me ralava de que sexo eram. Até hoje continuo sem perceber a homofobia, se bem que a palavra fobia diz muito. A J e a L ainda moram juntas - são mulher e mulher, desde os tempos da faculdade. Não têm filhos.

Outras mulheres, outras histórias anónimas

Quando pus os pés fora da sala amarelecida por sete maços de cigarros que J lá acende e apaga diariamente há uns quatro anos, vinha com uma mágoa no peito tão carnívora, que descer a Rua da Rosa mais me pareceu trepar um penhasco lamacento, com as ondas a estoirarem em mono nos meus tímpanos mudos, que nem gatos atrás de ratos. Eu desci aquela rua, tirei o carro do estacionamento, enfiei-me no trânsito para gente grande, escoei pela avenida do Alecrim, dei de caras com as filas habituais, os sinais vermelhos atrás dos amarelos, as manobras dos braços mais ou menos peludos aos volantes dos seus carrinhos bem inspeccionados, e mesmo aí, ainda vinha com a angústia das conversas daquela sala onde todos os dias J ouve e estende a mão a 'gente maldita'. O compartimento fica na Rua espinhosa, em Lisboa, tem uma campainha discreta e um cheiro nauseabundo a mijo velho nas escadas de acesso. São em madeira e rangem até à soleira da porta. Lá em cima, no primeiro vão, J aparece com uma discrição invulgar. Estamos na sala de fumo da capital. Uma sala de fumo, entre tantas. E J abre-a todos os dias de manhã, como se abrem os bairros fiscais das finanças, as bibliotecas públicas, os notários e os cartórios. Foi ali naquela sala que vi entrar a mulher que já foi homem, e foi no mesmo sofá de cabedal negro cheio de pulgas e mágoas alheias que ouvi de raspão, como que é ser puta mais de uma década. W - chama-se assim quem um dia foi João ou Fernando, só deus no céu ou o pai na terra saberão. Eu não lhe perguntei. W transsexual, a mulher barbada que vagueou maquilhada quilómetros de luar na Av. da Liberdade em Lisboa, madrugadas geladas nos Campos Elísios, esses de Paris, e nos outros campos de Milão, nas praças de Madrid, nas ruelas do vinho e nos cálices do Porto. Na primeira de todas, a avenida que tropeça para o Tejo lamacento esgotado de terramotos, regicídios, engarrafamentos, correrias de magotes de gente para apanhar os barcos, foi nessa mesma avenida que o pai de W, presidente de uma qualquer Junta de Freguesia, uma qualquer mesmo, não interessa, mas um homem enraivecido pela escolha do filho, foi ali que W descobriu que afinal esse pai aturdido também gostava de homens musculados por debaixo das meias de renda e dos brincos que rasgam orelhas com o peso enjoativo do pechisbeque. W conta o episódio com orgulho, quase vaidade. Descobriu nesse dia que no íntimo de tanta tormenta aquele pai a terá compreendido em cada miligrama de esperma vertido quando penetrado por mulheres ‘penislizadas’, as mesmas que nos sonhos lhe arrancavam o filho aos braços de Maria, com zombaria de bruxas. Foi uma parceira de metamorfose que lhe disse assim, tão resumidamente: “Ontem amanhaste um belo cliente, paga bem que se farta”. Só que o carro onde aquelas 'putas' a tinham visto entrar era afinal e apenas o Renault do pai de W, que uma vez mais a tentava resgatar à Sua humilhação, encapuçado de vergonha.
W, sentada à mesa da sala de fumo, arranja o cabelo pálido. J olha-a amorosamente. Sente-o, sente-se peça de museu, pegada de gaivota na madrugada entre as dunas. J e W não se amam, apesar da intimidade, do apartamento em que partilharam contas, bidés, ressacas e zapping. Até foram apanhados a dormitar abraçados num sofá da recepção do hotel onde W trabalhou no Porto, enquanto estudava francês na faculdade. Nessa altura disfarçava-se do 'outro', um eu com sexo masculino - ego asqueroso, quase, esse estranho recalcado em mente vaginal. Quando as línguas se esgotaram, voltou às ruas, na exuberância dos saltos vertiginosos, para guardar segredos de homens casados, solteiros, viúvos, e outros, desejosos de pénis com mulher atrás. W transsexual ouviu baixinho o que poucas paredes escutaram. Ganidos gemidos em cima da carroçaria de automóveis. Nos colchões gastos de fodas a dez euros. Em muitos mais sítios do que a minha vontade e conhecimento podem descrever.
Na cidade das caves, num beco deserto, esta mulher arcanjo foi violada por oito machos, já noite alta. Estendida no chão, de ânus rasgado e ferido, W foi juntada em bocados e levada para as urgências de um hospital com o VIH acabado de nascer silenciosamente no físico de um espírito envinagrado. Violação brutal de um, mais outro, e outro, e ainda outros dois, e mais um trio para fechar a obra prima. Homens viris, supõe-se, sedentos de humilhação e escárnio, a disfarçar o prazer de um festim carnívoro partilhado nas unhas sujas de sangue e nas mandíbulas babadas de pele rasgada. W é seropositiva, largou a rua de vez, até um dia, até mudar de ideias. Custou-lhe os olhos da cara, deixar de vender o corpo duplo, ainda lá voltou uns tempos, depois de saradas as feridas, mas agora passa os serões em casa. 44 anos queimados na palidez da neve, na negrura do frio, na rotina das horas contínuas a maquilhar e desmaquilhar à entrada e saída do jacuzzi em apartamentos de convívio sexual - preparativos sem fim de um full time job que experimentou em terras madrilenas, um megastore com ementa sexual para todos os apetites.
Esta mulher de seios proeminentes, mas frágeis, que pareciam desfalecer-se a qualquer abano de leque, pejada de make up, make me up, deambulava na sala de fumo de um lado para o outro com uma altivez masculina no tronco, e uma gentileza de donzela no tirar os cabelos da cara inchada de químicos que tomou nos últimos quinze anos para lhe empurrar a maçã de Adão para a bochecha de Eva. Fiquei aturdida. Confusa. Nem sabia explicar a dimensão daquela dor. A dor que tive ao olhar para os lábios tortos do peso do silicone, a falta dos dentes, e as palavras que davam um bocadinho da dimensão do que a mim me pareceu naquele instante, uma representação da tragédia. A ela nem por isso. Eu estava derrotada. Quando desci a Rua da Rosa, pensava a minha vida como, como aquela coisa do cinema em que os tiros são só a fingir, os duplos fazem as cenas perigosas, os efeitos especiais parecem a sério, mas só isso, e se alguma coisa correr mal desliga-se o power. Parecia-me que afinal a minha vida é que era trágica, a tragédia do faz de conta, nem doce nem salgada, num limbo de protecções desmesuradas. Não sei. Durante a descida da Rua da Rosa, eu só queria ficar sem memória um bocado, esquecê-la e a mim também.
The girl lost her libido walking on the street. Step on a piece of glass and cut her feet not so deep.

PS: Neste país é difícil trabalhar sendo-se transexual. A prostituição é um caminho para muitas quase inevitável. Há prostitutas não se deixam operar, pois muitos clientes são ditos heterossexuais, com a fantasia de serem penetrados por uma mulher.

Duas Mulheres


Can we do it?

Os posters de guerra serviam para reforçar o espírito patriótico. Mas este tem mais história dentro. Relembra-nos as frentes de batalha ocupadas pelas mulheres durante a II Guerra Mundial - em casa e nos empregos deixados livres pelos homens. Começou aí mais uma difícil revolução de mentalidades. Quase 70 anos depois, ainda há muitas trincheiras por escavar.


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

Brian Cronin

A ilustração chama-se "Mulher", o autor é Brian Cronin, irlandês, a viver actualmente em Nova Iorque. Mais em ...

Bem-Vinda Whitinho!

domingo, 26 de fevereiro de 2006

Apetecia-me andar às voltas

Se a terra gira sem parar, as pás das ventoinhas rodopiam, as bobinas dos vídeos enrolam e desenrolam, os pratos dançam quando caem no chão, as folhas do calendário rodam, as bolas diabólicas circunferenciam em catetos de hipotenusa, as partículas da água a ferver borbulham, até o pedregulho de Sísifo ganha embalagem na descida e muito mais por esse mundo fora dá voltas e voltas, por que raio não posso eu rebolar como estas senhoras amanhã de manhã?

sábado, 25 de fevereiro de 2006

Sozinha em casa

(e no blog...)
A ler o livro que deu origem ao filme que fui ver ontem.


Cinema e literatura - é o que quero para estes dias.
Bem... talvez também um copito ou outro.

Como constituir uma associação...

...ou um direito negativo perante o Estado.

Procuro informação na net. Aparece uma página com este resumo:

Constituição de Associações Uma Associação é constituída por um grupo de pessoas, legalmente denominado, "pessoa colectiva", reunido com um objectivo comum ...

Parece-me bem. Depois de clicar no link, reparo que é sobre associações juvenis. Seremos jovens? Mmmm... Adiante. Insistindo nesta página, clico em Onde obter mais informação sobre este assunto?

Em lado nenhum? Apesar do mau começo, insisto. Uma página do SEF? Tenha medo, muito medo. Fico a saber que a lei é de 1974.

Mais adiante, outra página explica como constituir uma associação de pais. Pronto, já estivemos mais longe.

A seguir, segundo uma página da Procuradoria Geral de Lisboa, fico a saber que "o direito de associação é um direito complexo que se analisa em vários direitos ou liberdades específicos, é fundamentalmente um direito negativo, um direito de defesa, sobretudo perante o Estado, proibindo a intromissão deste, quer na constituição de associações ou na sua organização e vida interna."

Retenho "um direito negativo sobretudo perante o Estado" e sigo caminho. Próxima paragem: Constituição da República Portuguesa. O meu livro preferido. Adoro o artigo 21º - tenho praticado muito, sem violência física. Gosto mais da bofetada de luva branca.
Interessam-nos nesta página vários pontos, desde os Direitos, liberdades e garantias de participação política, aos Direitos e deveres sociais, passando pelos Direitos e deveres culturais. Interessa-me quase tudo na Constituição. É um belo romance.

A esta altura, já as crianças reclamam a atenção materna. Vejo o que se passa e altero a pesquisa para "como constituir uma associação" . As crianças insistem que querem a mãe e eu insisto na minha pesquisa. Ora... adoptar não, associação juvenil não, página brasileira não, bláblábláblá não. Tenho tempo ainda para espreitar esta, sobre associações mutualistas:

" ...eu sou, diz a mutualidade;
...eu preciso, dizem os associados;
...eu ofereço, diz a mutualidade. "

Mmmm... Imagens, cartões... Mãããããããíííííííím! Desisto. As crianças ganham. Ou será que perdem, ao não deixar a mãe continuar a pesquisa?

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

A minha proposta...




Apesar de afamado por mau génio!

Para ler com atenção

Caríssimas,
Disposta a publicar um post com muito mau hálito, a que já tinha chamado "Portugal, o País Carnaval" - visão muito agreste de tudo quanto mais me agonia nesta pequena nação cheia de grandes nódoas mentais decisoras ao nível superior, médio e inferior -, contenho o impulso e tento acreditar que há mais "Entrudo neste pouco tudo".
Aqui fica uma informação que parece feita a pensar em mmás.

Bom fim-de-semana!
VW

Calendário escolar

Hoje, sexta-feira, é terça-feira de carnaval. E não tentem negar as evidências.

Opando o Substrato...

... com a ajuda da Natalinha



"To be a good actor you have to be something like a criminal, to be willing to break the rules to strive for something new."
Nicolas Cage

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Ó PÁ...

E não é que há mesmo monstros debaixo da cama?

Mmaiores do que o Pensamento

ÀS MMAS NOVAS:

COMUNICADO----COMUNICADO----COMUNICADO

Se não vos apetecer aparecer sozinhas na Casa dos Dias da Água, tragam outro amigo também!

Lembram-se do Jogo da Mata?



A propósito da imagem que ilustra o post "Jogo do Mata" (Sexta-feira, Janeiro 27, 2006), começa amanhã no CCB a exposição FRIDA KAHLO | Vida e Obra.

Amanhã lá estou eu caidinha!

Confronto individual


Três esculturas lúgubres de garotos enforcados, dependuradas de uma árvore numa praça agitada de Milão, na Itália, chocam os transeuntes desde a última quinta-feira e provocaram indignação entre políticos locais.
Mais

É o que a arte tem de bom, provocar reacções, boas, más, indignadas, contemplativas, asco ou qualquer coisa desde que não seja a indiferença.

Ceci n'est pas un post

À procura do Tosco

Com a globalização o Puro Tosco Lusitano tem-se perdido contra o Tosco Amarillo Nórdico. Para evitar a extinção da espécie, numa tentativa de manter a tradição, é necessário criar recursos naturais para que estes seres soberbos possam viver e procriar em conformidade. Está a ser criada uma área com tons de subúrbio, onde todos os interiores são desinfectados com aguardente martelada, e as ruas são pulverizadas regularmente com harpsuor. Vomitórios públicos, bancos de jardim almofadados e esquinas mictórias com privacidade já estão em funcionamento.
Faltam exemplares dignos da espécie, para isso contamos com a vossa colaboração.

Como reconhecer um Puro Tosco de qualidade Lusitana


1 Porque a quantidade importa:
– Pelo menos 5 centímetros de cabelo oleoso.
– Um centímetro de comprimento da unha do mindinho da mão direita.
– Um milímetro de tarro subunhento nos membros inferiores.
– Diâmetro em 50 por cento superior ao 'dois pi erre ao quadrado' de barriga, quando comparado com o dos ombros.
– Um centímetro de pelos no nariz e dois centímetros para os ouvidos.
– 0,5 milímetros de comida agarrada à dentição.

Porque as aparências iludem é indispensável que tenha:
– Um telemóvel de última geração.
– Luzes azuis no chassis do automóvel.
– Ferradura, caso use uma motorizada Casal (zundapp e Saches também são válidas)
– Calças de ganga roçadas na zona genital (reparar no pormenor de calça descaída no rabo a mostrar réstias de bronzeado).
– Vocabulário carroceiro ilimitado.
– Palito estrategicamente colocado no canto da boca.
– Tiques discretos de cheirar o próprio odor (como levantar o braço para fazer descair a manga para constatar as horas no relógio dourado).
– Sapatos lustrosos a contrastar com a meia branca, vulgo pé de
gesso.

Porque os maus hábitos criam-se facilmente o Tosco nunca deverá:
– Tratar a gaja dele por outro nome que não 'a minha gaja'.
– Sair à rua de propósito só para deitar o lixo fora.
– Limpar o pó, arrumar a cozinha, ou qualquer outra coisa que possa ser confundida com uma lide doméstica.
– Pegar nos descendentes ao colo, seja por que motivo for.
– Ler nada sem ter a complexidade do elemento esférico.

Porque sim, um Tosco:
– Quando confrontado em trânsito, deve seguir em perseguição desenfreada do causador do afronto. Deve fazer o percurso de janela aberta gesticulando e vociferando palavras de ordem.
– Deve beber até não se segurar de pé, como prova de virilidade está a duração do acto em si.
– Deve usar fato de treino durante as visitas culturais aos hipermercados.

Mulheres de Portugal, e não só, não deixeis o Tosco extinguir-se.
Sede corajosas e ajudai a criar este espaço cultural.


Serão dadas entradas gratuitas, com visita guiada* para as dez mais participativas.
* O espaço é protegido com as mais altas tecnologias de reserva, não há possibilidade de contacto físico.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Oito eléctricos chamados desejo

Chove. Fumo um cigarro à porta de um café que tem ‘o’ espelho de Charles Chaplin na parede – há tempos que não me cruzava com nenhum. O dono é cigano, tem aquela coisa do ‘tou-me a cagar’ impregnada nas roupas como traça. Lá fora tudo é Graça. Lisboa, obviamente. Penso que os pingos estão para parar e o eléctrico para chegar, assomo-me da paragem, aguardo aquele ganir digestivo da máquina com leme pequeno, aparece uma velha de guarda-chuva, com muito tempo na malinha de mão, bem enganchada por causas dos carteiristas. Lembrei-me de imediato da casa em Benfica onde vivi no primeiro ano da minha capital maioridade. Havia uma cabeça de touro embalsamada sobre a soleira da porta de entrada, se houvesse terramoto, o abrigo tinha um par de cornos a fazer pega à tremura. A ‘jarra’ toirina tinha sido trazida por um famoso carteirista, depois de uma viagem em lazer por terras de Espanha. Foi uma prenda para a dona da casa que tinha também um café daqueles onde cada panela serve uma causa. A causa da bifana, do coirato, dos pi-pis. A senhora era ‘uma mãe na terra’ para aquele tipo, que entrava às 8h00 e saía às 21h00, sem picar ponto, no metropolitano de Lisboa, e sem contrato nenhum. Muitas vezes quando o telefone soava lá no café, já se sabia que era imbróglio de larápio. A mulher decidida ligava ao mestre, dava indicações sobre a hora e o sítio em que tinha ocorrido o gamanço, excepcionalmente o apelido do dono da coisa (mas isso pouco relevo tinha, muitos dos gatunos eram analfabetos convictos), e horas depois o património aparecia com as impressões digitais apagadas e um bocadinho de baba nas notas que voltavam a entrar para o sítio de onde nunca deviam ter saído. Gente honrada. Outros tempos, terá pensado a velha ao meu lado, na paragem do eléctrico, depois de me ouvir os pensamentos. Eu, inquieta, molhada, desesperada, seguia-lhe o olhar para o cordãozinho umbilical que alimenta o transporte amarelo. “Quando o eléctrico aí vem, o ‘coiso’ lá em cima treme muito”, responde ao meu ar indignado. Nada. Chovia e nós esperávamos. Eu chovia também. De repente apareceram oito eléctricos vazios, em filinha indiana. A velha adiantou-se-me. Eu voltei a pensar na cabeça de boi, na cidade fantasma que me parecia Lisboa, e em tudo o resto que não posso contar a ninguém. Alguém me roubou qualquer coisa e eu só agora percebi o quê.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

clic



Triumph


Modelo vem com gel que pode ser aquecido no microondas
...e contra o aquecimento global!

Adiantando trabalho...

...deixo aqui umas frases multi-uso, tipo 3-em-1, assim como os shampoos ou os detergentes

ISSO COME-SE?

FILHOS NÃO ENTRAM EM SALDO

NÃO HÁ DIVÃ PARA O SOUTIEN

AS MMAS É QUE PAGAM A CRISE

O SHREK É NOSSO AMIGO

Ó NODDY ARRANJA-ME UM EMPREGO

NÓS PARIMOS, NÓS PODEMOS

PSSSSST.... SAMPAIO, CAVACO, GARCIA PEREIRA, ALGUÉM: PRÉMIOS PARA QUEM TEM FILHOS

QUEM TEM FILHOS TEM CADILHOS

AMOR DE MÃE


Podemos aproveitá-las para cartazes ou para os prémios VAI TU. Sugestões para o próximo domingo?

E um bónus, para inspirar!

Rir é o melhor remédio


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

Medos

Para além dos pesadelos também os medos são angustiantes, principalmente quando aparentemente inexplicáveis. Que medo suscitará uma cena do Noddy em que as peças de xadrez filhas, quando vêm a peça de xadrez mãe chegar, atiram-se para o chão e dizem em coro: "Olha para nós mãe!"? Não sei porquê mas provoca cá em casa um choro de terror puro! Outra...estava eu a ver o meu filhote deliciado a comer uma pera em bocadinhos pela sua mão quando decido ir buscar outra. Pego na pera, pego na faca e começo a descascar a pera e a cortá-la em pedaços. O que é que fiz? Devo ter matado a pera porque nem imaginam a aflição do meu filho perante a cena...Parece que às vezes não pertencem a este mundo mas esquecemo-nos é que o mundo pertence-lhes ainda há muito pouco tempo.

Why the lady is a punk?


Punkmother. Funkmother. Bloodymother. Nina Hagen e os três pastorinhos, na televisão alemã. Gosto muito da cor da saia.
... e da caricatura!

domingo, 19 de fevereiro de 2006

Ainda pesadelos

“Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para desenhar como as crianças."
Picasso, pintor espanhol

Estive a consultar a net para tentar encontrar textos que apoiassem a minha teoria sobre os pesadelos das crianças.
Não encontrei.
Apesar de as idades serem coerentes com a minha experiência de mãe, 3-6 anos, as razões apontam sempre para stress ou problemas familiares ou sociais. Não sei, não conheço, nem tenho a experiência de educação enquanto teoria, mesmo assim recuso-me a aceitar como “óbvia” esta conotação tão negativa como causa dos pesadelos em idades tão tenras.

Para mim os pesadelos nessas idades têm muito mais a ver com a compreensão das vivências, o conhecimento dos "eu existo, mas há outros que também existem". Pode parecer a mesma coisa, mas para mim não é. Uma coisa é nós vivermos uma experiência traumatizante e sermos sobressaltados pela memória da mesma, outra é percebermos que a compreensão de um acontecimento pode causar determinadas consequências para as quais não estamos física ou mentalmente preparados para enfrentar.
A ver se consigo explicar isto de outra forma:
Se virmos um filme de terror/trauma/desgraça é provável que tenhamos uma noite mais agitada. Não por termos ‘vivido’ o mesmo que a personagem mas porque compreendemos que a acção é passível, e ao sonhar repetimos de forma readaptada uma possível, ou não, resolução da situação. No fundo estamos a aprender a viver com situações às quais não estamos habituados.

É assim que eu entendo os pesadelos infantis. Aprendizagens virtuais. Claro que existem as excepções, crianças maltratadas, com problemas familiares, e muitos outros problemas que nem me ocorrem, mas não são, quanto a mim, a maioria dos casos (felizmente).

Porque acontecem nesse período… Para mim é quando a criança começa a perceber que o mundo não é a família e a casa. Começam a entender que há outras crianças que são também a coisa mais importante do mundo para os pais deles.
Tento, sempre que me é mentalmente possível, colocar-me no papel da criança. Imagino-me com três anos, a brincar com um pedaço de qualquer coisa que antes fora brinquedo inteiro, chega uma outra criança e decide que também quer essa coisa, conflito: ‘dou ou não dou’? ‘sou mais forte ou tu é que és’? ‘simpatizo ou não’?. Se tiver um pesadelo à noite o que é que me atormenta? ‘Dei e não devia ter dado’, ‘Não dei mas devia ter dado’?, ‘a outra criança é mais forte que eu’?, ‘mordi-lhe e ela chorou’? ‘gosto da criança mas tirou-me o brinquedo, agora já não gosto’?
Ou se, por exemplo, chega uma mãe ou pai e faz uma festa barulhenta ao ver o filho, elevando-o no ar e mostrando (não de forma consciente) que essa criança é bem mais importante que os outros todos. Como reajo? Bato à minha mãe porque chegou depois? Abraço-me demasiado a ela para mostrar aos outros que também sou a mais importante? E se a mãe não corresponder às minhas necessidades imediatas, vou ter pesadelos? Acordarei ao meio da noite a berrar pela mãe, ou pelo pai?

Eu acho que os pesadelos infantis são até essenciais para um bom desenvolvimento. O importante mesmo é estarmos presentes e repetirmos vezes sem conta: Pronto, já passou, a mãe está aqui, shiuuu.
Dá trabalho? Dá. A maior parte das vezes nem damos conta de como chegámos à cama da criança? Sim. Por vezes dizemos coisas ainda mais disparatadas do que os próprios pesadelos das crianças, misturando os nossos próprios sonhos tipo: pronto, já fui ao frigorífico guardar os sapatos? Sim.
Mas só dá trabalho até à entrada para a escola primária, porque milagrosamente eles, pelo menos os meus, aprendem a lidar com os seus próprios pesadelos.
É na escola primária que culmina o entendimento de que fazem parte de uma sociedade maior do que a família. E que eles próprios fazem parte, em medida e peso igual, dessa sociedade.
Compreendendo isso aprendem a defender-se, a reagir bem ou mal, mesmo em sonho.

Mas claro, isto sou eu aqui a escrever sem grandes sabedorias.

Comecei este post com a intenção de linkar aqui os sites que achei mais relevantes, mas não se justifica, basta fazer uma procura no Google com “pesadelos infantis” e há uma dezena deles a dizer o contrário disto. E como entretanto encontrei ESTE, de onde me saltou a frase do início, perdi-me.
: )

sábado, 18 de fevereiro de 2006

Nota de rodapé...


"Never ever fuck with the person who prepares your meal..."
Quererá isto dizer que matrimónio, nos termos em que ainda se pratica, é mesmo, e por princípio, o fim do prazer? Ou apenas que o respeitinho é bem bonito, quando não há um cu de acção culinária?
Considerando ainda o pensamento Shut the Fuck Up... queria dizer que Não, Eu Não Compro Skip. A marca anda para aí com uma campanha muito pouco educativa, com o slogan "Em 1966 aprendemos a usar a máquina" e lá atrás a senhora dona de casa. Burros. Fidelizariam consumidores se tivessem dito: "Em 2005 ainda não nos mentalizámos que sujamos roupa e que a máquina cá de casa não trabalha sozinha". Obviamente seria necessário mudar o figurino!

VAI TU E O RESTO DA ROUPA BRANCA!

Pesadelos

Pico pico sarapico
Quem te deu tamanho bico
Os cavalos a correr
As meninas a aprender
Qual será a mais bonita que se irá esconder?

Pico pico sarapico
Quem te deu tamanho apito
A mamã a aquecer
O papá a derreter
Qual será a mais bonita que irá adormecer?

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

YouGo®*

O seu verdadeiro programma “belisca aqui”, para os sistemas Ts e ETs.
Com novo aplicativo ‘desculpem lá qualquer coisinha’ actualizado.
Contém cápsula choque dirigível de intensidade regulável de implementação subcutânea com wireless para um raio q' ta parta dirigido a quem se aproximar mais do que o permitido pela compradora registada.

* a internacionalização do VAI TU®

'Macaconas'


E guerrilheiras! Vê o site!!!

ET PHONE HOME

Ando a reunir provas de que a minha filha de três anos é alienígena. Ontem fomos ao Centro de Saúde por causa de um dedo indicador completamente infectado. À volta da bolsa de pus, pele esticada de uma vermelhidão que me doeu só de olhar.
Dói muito - garantiu-me a educadora. Mas é estranho... ela não se queixou. Só reparei porque ao lavar as mãos fez um esgar - explicou, onomatopeicamente.
Esperámos uma hora e meia entre putos fiteiros, doentes, dementes. Adultos gemiam moribundos e queixavam-se do SNS. Ela pulava entre as cadeiras. Lançava olhares lancinantes às velhinhas que lhe perguntavam se tinha dói-dói, como quem diz VAI TU. Retirou da letargia dos colos maternos dois putos que antes ali estavam quase às portas da morte. Correu de um lado para o outro. Carregou nos botões das máquinas. Espreitou debaixo das mesas. Deu-me mimimimiminhos. A mana mais velha também queria ter uma ferida. E chegou a nossa vez.
O médico avançou a medo. Sabe que os putos ficam embirrentos quando esperam muito tempo. Lá fora estava a população mundial a padecer de vários males. Ela mostrou-lhe o dedo, valente. Ele explicou-me com dó que a miúda teria que fazer tratamento. Dói - disse-me baixinho.
Nova espera na enfermagem. Novos pulos e jogos inventados. "Nós estamos primeiro" - a quem tentava passar à frente. Chega a nossa vez.
A enfermeira queixa-se de que já passou da hora de saída. Queixa-se da vida. Queixa-se. Ela observa as mutações faciais da criatura, serena. Sorri, minúscula. Desarma a enfermeira. "Não vais chorar, pois não?" - perguntam-lhe. VAI TU, pensa ela. A mana mais velha quer ver o tratamento e tenta agora impingir a quem a ouve vários ferimentos graves.
Desinfectam-lhe o dedo uma, duas, três vezes. Água oxigenada, betadine, betadine. E agora vais ficar quietinha. Tremo. A gaja vai picar o meu bebé com uma agulha enorme. A mais velha quer ver tudo. A gaja está nervosa, não tem a mão certa, vai magoar o meu bebé com a agulha. O meu ET não está assustado, está curioso. A gaja finalmente tira o pus com a ajuda da agulha. Nova sessão de desinfecção. E a miúda nem ai nem ui. Dói? A mim doeu-me.
Finalmente o prémio: o meu ET tem agora o dedo completamente ligado. A enfermeira já não se queixa e combina nova sessão. Pode ser amanhã às 17h?
Dói dóis assim tão vistosos não há todos os dias. A mais velha também quer um penso. Prometo pôr-lhe um, em casa.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Picture of you - Lembras-te querida?


(...) Virarás a camisa de flanela das avessas para o direito, finalmente, para dar de mamar pela abertura. Caminharás ao final de 4 horas, de pernas arqueadas, lentamente, atenta às quebras de tensão. Não dormirás plenamente. Pedirás gelo para refrescar o teu sexo dorido, cosido, sangrento, orgulhoso, vezes sem conta. Sentirás carinho pelas manchas vermelhas na tua camisa, a prova dos cornos que agarraste com gana. Trocarás a camisa de flanela florida por uma tua, depois de um banho que te limpa a memória. Amarás a tua filha sempre que a olhares, quando não a olhares, quando a olharem, quando te olhar. Sentarás, mesmo que te doa horrores e te pareça que te rasgas. Sofrerás quando deres de mamar. Comerás todas as refeições à mesa, apressada porque tens a filha no berço, sozinha, ainda com vitalidade de útero, sem saber que vive já fora dele. E só sairás quando o médico quiser, não adianta planear fugas, subornar enfermeiras, assumir altas, esbracejar, chorar, enfurecer, implorar.

A autora da fotografia é Rineke Dijkstra, holandesa.

Por que gosto de ler jornais



















Max Ernst

A Virgem Espancando o Menino Jesus Perante Três Testemunhas - André Breton, Paul Éluard e o Artista

Feiticeira Lua

Sempre gostei mais da noite do que do dia.
Sempre estudei melhor à noite.
Trabalho melhor à noite.


A maternidade obriga-me a viver de dia. Obriga-me a aturar o trânsito matinal. Obriga-me a ter o cérebro acordado a horas contra-natura.

Ontem trabalhei de noite. Há uma diferença entre as pessoas que trabalham de dia e as que trabalham de noite. Trabalho melhor à noite. Gosto mais das pessoas que trabalham de noite.

Eu trabalho por turnos. E depois há os que têm horário fixo. Convivo com os que trabalham de manhã, à tarde e à noite.

Há uma diferença entre as pessoas que trabalham de dia e as que trabalham de noite. Ontem trabalhei à noite. As pessoas disseram-me olá, sorridentes. Não havia ninguém stressado nem com pressa. As pessoas jantam com calma e depois voltam ao trabalho. Não comem mini-pratos ao balcão. Não têm um ar cansado.

Anseio pelo dia em que, livre da ditadura dos horários escolares, poderei voltar a viver à noite.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

A toxina


Há um momento especial a registar na semana que passou, começou, bem, isso pouco ou nada interessa. Eu vinha agarrada à paisagem, aos plátanos despidos, gigantões, em piloto automático. Lá atrás, no banco do carro emprestado, a raposa espreitava o mesmo que eu, com outro ponto de vista. Vejo à frente, na estrada, uma caravana de carroças com famílias de ciganos em cima. Mando um berro! Mêchian, Mêchian - vulgo raposa - olha olha! Abrandei a marcha. Ultrapassei com a iris bem focada. E lá estava. Mister Brutal. Mister Toxina. Mister Fuck me if you can. Já não o via há uma década, na certa. Conduzia aquele burro com o mesmo desempenho físico de sempre, o corte de cabelo sem corte, o escárnio vivo no canto da boca bem repuxada, em jeito de herói de BD, e os ombros coreografando qualquer coisa que os coreógrafos não sabem explicar aos bailarinos e os balarinos não sabem interpretar... nunca... jamais... assim - é a minha opinião. Que se foda. Desculpem os maus modos, mas apetece-me muito ser mal criadinha. Enquanto me fazia ao alcatrão como mirone, qual energúmenos que páram para ver o acidente, olhei pelo retrovisor. A raposa deliciava-se como eu.
Mister Brutal é um toiro enraivecido, da minha idade, para aí. Quantas vezes não o vi andar à biqueirada, cabeçada, paulada, nas ruelas mouras desta cidade Natal que para ser muito franca é tão bonita quanto insuportável. Mister Toxina era indomável. Mister fuck you if you let me era uma figura de cinema. Mister Fuck me if you can gostava de usar a força de todas as maneiras. Crua e ensanguentada. Mas também assim: chegava-se perto de um casalinho apaixonado, dizia ao 'bacano' que tinha escolhido uma miúda gira, fazia-se até meter nojo, pedia beijinhos sempre sem excepção, e o orgasmo dele era outro. O prazer de ter o poder, ver suar uma gotinha nas têmporas. Ai aquele prazer. É o vício do poder. Os parlamentos e os gabinetes de ministérios estão cheios deste esperma. Miss, aquilo era o diabo em forma de raiva. Ninguém ninguém poderá mudar o mundo, só Mister Mister. Vê-lo assim vivo, a dar com a chibata no bicho, virado para trás na galhofa, deu-me um prazer louco, foi como visitar um ente muito muito querido que morreu de velho há muito, num cemitério verdejante, com esplanadas e pássaros, ou passaros, sem acento, que é muito mais bonito. Mister point me a gun, um dia, um ano, passou à frente da casota onde eu vendia livros de uma feira com 40 graus à sombra. Chamei-o porque nos escaparates do meu boteco botequim não interessa nem ao jardim, havia um livro de fotografia, e Mister Toxico estava ali retratado, com a inocência dos 12 ou 13 anos, com o mesmo glamour e muita muita poesia.
Never forget you babe!

Pintura: Jed Dougherty

Celebração do Amor

“Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados, enquanto namorados. Antes, depois são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia”.
Drumond de Andrade

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

VAI TU!

BREVEMENTE NUMA CASA PORTUGUESA PERTO DE SI


Para mais informações consulte a caixa de comentários do post TRÊS ANEDOTAS E UM BLOG. Condições especiais para sócios e divorciadas.

Disciplina

PORQUE NÃO POSSO COMPRAR A DISCIPLINA NO SUPERMERCADO?
Dava-me tanto jeito que nem imaginam....
É...hoje estou completamente neura e a razão é aparentemente simples: tive de exercer autoridade (:)) de mãe, i.e. "ralhar", "chamar a atenção", ou sei lá eu que outros eufemismos podemos chamar a essa acção terrível que me vira as tripas do avesso que é a de levantar a voz, olhar fixamente os olhos e dizer "NÃO FAÇAS ISSO!" a um bébé que devolve-nos o olhar com os olhos vidrados e fixos de espanto, enquanto esboça um sorriso que se esmorece em pranto desamparado como se o mundo tivesse desabado. A seguir disfarço a água que me chega aos olhos e muito séria continuo a explicar a razão da minha insurreição; ele diz-me com os olhos que percebeu, mas que não me entende..."sou apenas um bébé e o facto de te bater com o frasco de pó talco e a seguir com a minha mãozinha sapuda é só para te dizer que gosto de ti e que hoje chegaste mais tarde do que é habitual - estou cansado e triste por não poder brincar contigo o tempo que gostaria...". Que raio!, porque não me disseste isso antes? Não era preciso ensaiares violência. Estou desfeita mas desconfio que agi bem, pelo menos agi para meu bem, mas isso não me conforta, sinto-me mesmo triste por ter de ser assim - a minha alegria enquanto educadora saltava o capítulo da disciplina, embora o "NÃO" faça parte do meu vocabulário de mãe há pelo menos seis meses. Enfim, para me consolar relembro a cena que se seguiu : qundo disse que "só miminhos" recebi-os em dose extra com direito a "topping" (leia-se abracinhos) e tudo. Chuif!Chuif! Sou mesmo cruel. Adeus e até amanhã.

shiuu

Hummmmmm

MMÁS montam touros mecânicos em Lisboa

Já passava da uma da manhã e as imagens não paravam de correr aceleradas à minha frente.
Mais uma sessão das mmás numa sala que nunca vi, mas que imagino ser digna de cenário de um filme!
Quantas seriam? Que terão feito, aquelas malucas? Teriam as crias com elas?
Confesso que foram mais que muitas as situações em que vos coloquei, sem pedir autorização para tal liberdade, bem sei! Mas a nossa mente é mesmo assim, sem amarras! Valha-nos isso.
Para quem lá esteve esta curiosidade não existe, mas ser MMÁ à distância leva-nos por estes caminhos.
Confesso que a primeira imagem que me veio à cabeça foi vê-las, de rolos na cabeça, montadas em touros mecânicos gigantescos! Alucinante!!!
Depois ocorreu-me algo mais pacífico, mas menos realista, apesar de tudo. Mas era bonito!
Num tom sépia, vocês tinham vestidos às florzinhas, algumas cornucópias, à semelhança da Imagem das MMÁS. Sentavam-se muito alinhadinhas nas secretárias, como na escola primária, a olhar para não sei quem, que estaria à vossa frente, a dizer não sei o quê.
Depois, espreitei para debaixo das mesas e vi que as criancinhas, as vossas, estavam todas lá.
Aí, o cenário mudou mais uma vez e quando subi o olhar para vocês, já tinham um arzinho mais actual, algo esgroviado! Já andavam de um lado para outro e ninguém conseguia seguir uma conversa porque havia sempre um catraio a puxar a mamã!
Para alimentar falsos cenários ou para limpar o vosso bom (?) nome, segue o desafio para um relato da tarde de ontem. Who´s first?

Mandarim

A folhear uns jornais fora de prazo, antes de os enfiar na boca do lixo, encontrei uma breve que mereceu recorte:
"O Brighton College, uma escola privada de renome, no Sul de Inglaterra, tornou-se esta semana o primeiro estabelecimento secundário britânico a oferecer o estudo obrigatório da língua chineza. A decisão de ter o mandarim, a par do francês, como língua obrigatória, vai entrar em vigor no próximo ano lectivo. O director da escola, Richard Cairns, diz que o objectivo é adaptar o ensino às novas tendências económicas. 'Uma das minhas missões é assegurar que os alunos são preparados correctamente para enfrentar as realidades do século XXI, para viver no novo mundo, e não no antigo', explicou à AFP. 'O conhecimento da língua e cultura chinesas serão vantagens enormes' ".
in Público, 22 de Janeiro de 2006

domingo, 12 de fevereiro de 2006

Três anedotas e um blog

É por estas e por outras que eu gosto de tablóides. E até já trabalhei num. Mas correram comigo.

País precisa de mais bebés (diz Edite Estrela).
Um dos solteirões mais cobiçados de Portugal (e tenta dar o golpe do baú).
Namorada espanhola de Ronaldo mente por amor (mas diz a verdade ao Correio da Manhã).

Posto isto, recupere-se a sanidade mental.

sábado, 11 de fevereiro de 2006

Peanuts

Vejam só a pintarola deste puto. É impressão minha, ou escreve anormalmente bem?

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Banquete de MMAS

Riscos
Rabiscos
Colagens
Recortes
Música
Dança
Gritos
Cantares
Desconstruções
Mãs, mamãs, mimis, mamis
Sins, huns, nãos, pára, em quantidades qb.

Juntar os ingredientes numa sala secular
Saltear em conversa ligeira
Acompanhar com pitadas de riso e alguns suspiros
Servir com boa disposição.

MMAs, este é o menu de domingo 12
Sirvam-se sem medos.

MMAdrasta

E viveram felizes para sempre. Hoje há os Shrek 1 e 2, a Bela e o Monstro e a Bela e o Monstro edição especial de Natal, mas quando nós eramos miúdas os contos de fadas acabavam assim e não havia sequela. Fechava-se o livro e pronto. Afinal, tudo tinha ficado resolvido. Para quê prolongar a história?


E depois há a vida real. O meu pai morreu há 5 anos. A minha madrasta não. Alguém conhece um bom feitiço que me livre da parte II deste filme?

Polvo



... que sorte ... tantos tentáculos...

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006

Parasitismo ponto final

E se houvesse dois homens a comparar quem tem o mais pequeno? Há. Um investigador britânico e outro norte-americano discutem qual é o animal vertebrado mais pequeno do mundo. O meu ou o teu?

E enquanto eles se divertem discutindo os parâmetros mais justos de medição, eu detenho-me na descrição do macho de uma das espécies envolvidas na contenda. É um peixe e chama-se Photocorynus Spiniceps. Não, não é exactamente o que estão a ver na fotografia. A grandalhona é a peixa. O macho é aquela pontinha agarrada às costas dela.
Leio no Público: "O macho é um parasita da fêmea, tal como acontece com muitos outros peixes de grande profundidade, em que os machos vivem (por vezes até em grupos de oito) agarrados às parceiras. Depois de morder a fêmea, o macho passa a alimentar-se através do sistema sanguíneo dela. A única função do macho passa a ser a fecundação, razão pela qual os seus órgãos reprodutores ocupam quase a totalidade do corpo. Este fenómeno designa-se por parasitismo sexual. O argumento de que o macho não tem vida própria e independente não convence Pietsh [um dos cientistas], que insiste no facto de se tratar de um vertebrado adulto e, portanto, o mais pequeno animal com esqueleto."

O Homem ou é Tonto ou é Mulher

Cheguei atarefada, como de costume.
Depositei as chaves, mala, tabaco e telemóvel em cima do balcão para conseguir tirar o bilhete. Encolhi os ombros e sorri ao interceptar o entreolhar das duas meninas já divertidas com o meu ar esgrouviado.
Ah! Cá está! Venho levantar este bilhete!
Mais uma vez olharam-se e muito devagar, para terem a certeza que eu as entendia, disseram-me… olhe que estes bilhetes não são nossos, está no teatro errado!
Ora bolas, até tinha estacionado mesmo em frente à porta e tudo.
Comecei a subir a rua, a pé, redizendo mentalmente as informações que me tinham dado: sobe e tem de passar a rua para o lado de lá, depois desce nas escadinhas, sobe e tem de passar a rua para o lado de lá, depois desce nas escadinhas. Parecia fácil. Subi, passei a rua para o outro lado, mas dei de caras com um muro de obras, sem escadas!
Atrasada, decidi perguntar a um homem marroquino (na realidade era a única pessoa, para além de mim, naquela rua escura): Ó menina, não é aqui mas sim do ‘outro’ outro lado da ‘outra’ outra estrada, o melhor é vir comigo!
E eu fui, em passeio de conversa simples com um perfeito desconhecido, até ao contacto visual com o edifício do teatro certo.
Despedi-me do ‘tenha uma vida feliz’ dele.
Quando cheguei à recepção avisei que afinal o convite de duas pessoas não era para duas pessoas mas sim para uma pessoa, apenas uma pessoa, sim, apenas uma pessoa, mas porquê uma pessoa se o convite era para duas pessoas? porque é apenas uma pessoa e não duas pessoas que querem o bilhete, mas o convite é para duas pessoas, mas eu sou uma pessoa não duas pessoas! Depois de resolvida esta questão matemática ainda tive tempo de beber um café. Consegui um cantinho encostada ao balcão do bar e pedi um café curto. A menina serviu-me um café duplo. Não reclamei, depois de tudo até achei normal, no meio do barulho, o entendimento de duplo em vez de curto.
Finalmente sentada no primeiro lugar do último patamar.

«Estou de novo sozinho. Mas agora estou em cima do escadote. É melhor. (Olha para todos os lados. Tédio) Afinal é igual.»

Já há muito tempo que não me envolvia, de forma tão intensa, com um espectáculo. Recomendo-o.


A Colher de Samuel Beckett
Um homem sozinho espera num local onde não há ninguém, apenas seis escadas. Com uma vida reduzida ao essencial, no topo de cada escada o homem tem apenas uma acção para executar. Escreve, bebe água, vê as horas, come... Para que o seu pequeno mundo se complete falta uma colher. A peça está em cena até Abril no Teatro da Comuna, em Lisboa.

Indicações:
Teatro da Comuna (Pç. Espanha, Lisboa)
Terça e quarta às 21h30 (5 a 10 euros)
Actor: Álvaro Correia
Autor: Gonçalo M. Tavares
Encenador: João Mota

Apetecia-me mais uma manifestação lúdica...



...mas fica o recado:

MANIFESTAÇÃO
COMUNICADO - CONVITE

Na próxima 5ª feira, 9 de Fevereiro, pelas 15 horas, um grupo de cidadãos portugueses irá manifestar a sua solidariedade para com os cidadãos dinamarqueses (cartoonistas e não-cartoonistas), na Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho nº 14, em Lisboa. Convidamos desde já todos os concidadãos a participarem neste acto cívico em nome de uma pedra basilar da nossa existência: a liberdade de expressão.
Rui Zink (916919331)
Manuel João Ramos (919258585)
Luísa Jacobetty

Mais vale uma manifestação na mão do que duas a voar. Sempre se convive e a tertúlia é garantida.

A sonhar é que a gente se entende

E o meu sonho para hoje é este.

Mulher a fingir que dorme...

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Ceci

Dizeres deliciosos de uma catraia com três anos.

Mimi

f, o mesmo que mãe ou mamã . Pode assumir ainda as seguintes formas: mimizinha, mimimimimi, mimi linda, mimi querida (Do inf. miminho)

Descontruçoes

UM D14 D3 V3R40, 3574V4 N4 PR414, 0853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R1NC4ND0 N4 4R314.

3L45 7R484LH4V4M MU170 C0N57RU1ND0 UM C4573L0 D3 4R314, C0M 70RR35, P4554R3L45 3 P4554G3NS 1N73RN45. QU4ND0 3575V4M QU453 4C484ND0, V310 UM4 0ND4 3 D357RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0N73 D3 4R314 3 35PUM4.

4CH31 QU3, D3P015 D3 74N70 35F0RC0 3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0, M45 C0RR3R4M P3L4 PR414, FUG1ND0 D4 4GU4, R1ND0 D3 M405 D4D45 3 C0M3C4R4M 4 C0N57RU1R 0U7R0 C4573L0.

C0MPR33ND1 QU3 H4V14 4PR3ND1D0 UM4 GR4ND3 L1C40:

G4574M05 MU170 73MP0 D4 N0554 V1D4 C0N57RU1ND0 4LGUM4 C0154 3 M415 C3D0 0U M415 74RD3, UM4 0ND4 P0D3R4 V1R 3 D357RU1R 7UD0 0 QU3 L3V4M05 74N70 73MP0 P4R4 C0N57RU1R.

M45 QU4ND0 1550 4C0N73C3R 50M3N73 4QU3L3 QU3 73M 45 M405 D3 4LGU3M P4R4 53GUR4R, 53R4 C4P42 D3 50RR1R!!

S0 0 QU3 P3RM4N3C3 3 4 4M124D3, 0 4M0R 3 C4R1NH0.

0 R3570 3 F3170 D3 4R314.

Recebido por mail, não sei muito bem de onde.
Por vezes encontramos mais no que não é, do que o que vemos no que nos é exposto de forma simples e clara. Esta minha frase é mais confusa do que o texto desconstruído, mas não sei dizer isto de outra forma. : )

Hoje à hora do jantar:

– Ó mã, amanhã eu acódo-te. Tu acódas. Bebes o café, fashes xixi e eshas coisas. Êspois levas-me à escola muito chedinho.
– Eh! É verdade mãe, amanhã ele tem uma visita de estudo!
– Têm?!
– Shim shim…
– Ó mãe, parece impossível, tu assinaste o papel. Não te lembras? Devias ter ficado com aquele bocado de papel que se corta. Não cortaste? Ó mãe!
– Poishé o mano shabe.
Entre olhares de cumplicidade faltosa, o pai lembra-se de me lembrar um telefonema a confirmar as horas da dita visita.
Uf, é só à uma da tarde.
Por vezes os nossos papéis invertem-se. São muitas as vezes que me sinto mais filha que mãe. E não é a primeira vez que me levam o pequeno-almoço à cama, às onze da manhã, durante o fim-de-semana.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Não quero saber!

Tenho andado a pensar no que traz o mal ao mundo. Isto de ser mãe dá que pensar demais no futuro. Foi depois desta cena caricata das caricaturas...Não entendo como há gente que se dá ao trabalho de perder o precioso tempo da vida a chatear ou a embirrar com os outros. Sim, porque para mim trata-se de embirração o que andam a fazer de parte a parte. Presunção e abuso da chamada liberdade de expressão. Tenho andado a fazer o exercício de dizer tudo que que me vem à cabeça, mas parece-me que a minha liberdade de expressão tem de ter o limite da liberdade do outro para que possa continuar a ter direito a ela. Parece-me este um princípio básico da convivência entre seres humanos, principalmente dos falantes, mas infelizmente andam a impingir-nos a democracia errada. Apetece-me dizer-lhes (sim, a eles, aos que "andam por aí" :)): metam-se na vossa vidinha - olhem para dentro de casa e comecem por mudar aí. Para quê panfletos ofensivos? Hoje já ninguém precisa de ser acordado. Estou mesmo farta de notícias e acho que a chamada era mediática acabou com este episódio. Não quero saber - ando numa fase de macaquinho: não falo, não ouço e não vejo nada para além do que me pode fazer a vida melhor e trazer-me felicidade. É uma espécie de autocensura visceral que tento praticar para que os preciosos minutos que tenho para gozar sem trabalhar (não se leia sem fazer nada) não os gaste a pensar em como posso ou não mudar o mundo. É que apeticia-me mesmo mudá-lo, dizer que quando o meu bébé crescer tudo será diferente, mas para isso acho que devo militar esta coisa da introspecção caseira que as mmás têm dado a conhecer, uma espécie de revolução a nível de microcosmos. Tenho por isso dedicado o tempo a cantar, tocar, conversar sobre gastronomia (vcs sabem lá...o Francis é gastrónomo tbm), pintar e jogar com o filhote e seu pai. A informação exterior chega-nos com dias de atraso mas acredito que cá dentro estou a reconstruir um mundo cheio de alegria (fantástica mas fantasiosa, é claro..). Dá trabalho e não sei como vou projectar a ponte para o mundo lá fora, mas espero ter de o fazer apenas depois das nossas microrevoluções se terem transformado em revolução frutífera.

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Francis

Desculpem ter andando ausente, mas tenho andado ocupada com o atelier de artes em que se transformou a minha casa nesta última semana. Fazem-se experiências musicais, motoras, de dança, voz e expressão plástica. Tudo orientado pelo Prof. Francis, artista de renome, como sabem. Isto assim, de repente, depois de um clic qualquer que nem ouvi. Enfim deixo-vos com uma das peças expostas na sala.

Francis em Dynamics of Life, Fevereiro de 2006, Colecção Particular. Rights reserved

Procura-se!


Já lá vão uns oito anos. Estou em casa, é noite e o telefone toca. Uma voz feminina, madura, carinhosa, expectante, para não dizer ofegante, pergunta pelo meu nome. “Sim, sou eu”. Depois desta frase só voltei a dizer uma palavra 3 ou 4 minutos depois. Os factos são simples. A mulher tinha entrado naquela mesma manhã na Igreja de Santo António, em Lisboa (construída graças à perseverança dos meninos que pediram esmolinhas pelas ruas, depois do terramoto de 1755, e às doações dos fãs do Santo. A tradição pegou de tal maneira que ainda hoje as crianças chateiam na altura das festas da cidade, com a esmolinha para o Santo, apesar de o Santo já ter casa). Hum… cá estou eu a conduzir aos ‘ésses’, mas o último copo foi hoje às 5 da madrugada. A mulher, raios! Sim, a mulher! A mulher falava e eu ouvia muito aparvalhada. “Fui comprar uma novena à Igreja. Sabe, Santo António é o meu protector, queria rezar-lhe uma novena, e fui lá comprar o livrinho. Sabe qual é a igreja não sabe?”. Eu estava prestes a mandar um grito: “Porra, quer dizer o assunto de uma vez por todas?”. Exactamente tão irritante quanto esta verborreia inconclusiva – imagino que o vosso instinto seja agora de me apedrejar! – graças a ‘deus’ tudo isto é virtual.
“Aquela igreja mesmo ao pé da Catedral. É que eu sou enfermeira, e vivo ali em Alfama. Mas sabe que quando abri a novena, já fora da igreja, e olhe que o livro estava novo, até nem tirei o primeiro da pilha, escolhi o que tinha melhor aspecto. Quando o abri já cá fora, encontrei um papelinho escrito à máquina com o seu nome e número de telefone. Bem sei que isto parece estranho, até é capaz de pensar que é mentira, mas olhe que eu sou uma pessoa séria, uma mulher de fé, e estou a ligar-lhe para ver, quer dizer, para falar consigo. Não sei, o Santo,… sabe,… bem,… é extraordinário, eu tenho pouco tempo e os meus horários são um bocado malucos, mas queria saber se a senhora tem tempo para nos encontrarmos um dia destes, isto deve querer dizer qualquer coisa, não acha?”.
Fiquei com o telefone dela. Disse-lhe que sim, evidentemente poderíamos encontrar-nos. Baixei o auscultador, e fiquei uns segundos de boca aberta. Nunca cheguei a fazê-lo (a ligar-lhe, entenda-se, fechar a boca fechei logo depois). Lembrei-me dela ontem, novamente, quando uma amiga me contava que estava à procura de um homem, de um romance, de um companheiro, e que “há 5 meses não dava uma ‘queca’”. Segundo a sua análise, tudo tinha a ver com o universo em que se mexia, as pessoas com quem se relacionava, e o auto-diagnóstico apontava para uma necessidade urgente de mudar de ares, no fundo. A mim saiu-me dizer-lhe que a minha vida estava marcada por profundas inversões de marcha à conta de esbarradelas em sinais de trânsito. Hoje fui à procura do contacto da mulher de Alfama, nas agendas dos últimos 8 anos, para ver se resolvíamos o mistério do Santo. Não encontrei nada. Levarei mais tempo, mas sei que lá chego. Se alguém a conhecer, agradeço o link.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Concertezas


"Pelo facto de me parecer a mim - ou a toda a gente - que uma coisa é assim, não se segue que o seja. O que podemos perguntar é se faz sentido duvidar dela."
(*)





-Tenho passado bem, muito obrigada / 'Tou mesmo desnorteada.
-O amor não é um gajo estranho / Alguém me explique como funciona o botão?
-Tem calma! / "Parte, mas não vergues", citando uma mmá de referência.
-Apareça lá em casa um dia destes / Não te quero ver nem pintado.
-A mamã é muito grande, não cabe aí dentro / Juro que não consigo enfiar-me no armário a esta hora da manhã.
-Anda lá, a sopinha faz-te crescer / Foge, se eu tivesse de comê-la, também batia com o pé.
-Os meninos já estão todos a dormir / Quais?
-Não te preocupes eu vou a pé /scheiss... vou chegar atrasada.
-Ia agora mesmo ligar-lhe / Porra, esqueci-me completamente deste!
-Qualquer dia vou-me embora / 'Tou a ver que não me livro mesmo disto.
-Com os meus melhores cumprimentos / E é tudo, ponto final parágrafo, se quiseres responde.

Catch you if you can!

(*)Wittgenstein, "Da Certeza"

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2006

Ninjai


A propósito de ácido sulfúrico (ver PSSM comenta PSSM no penúltimo post), e durante uma pesquisa perdida nas grutas da web, encontrei estes desenhos animados absolutamente impróprios para crianças com 2 anos (a raposa estava ao colo e viu o episódio com a mesma serenidade com que assiste aos mini robots da Dois,... mas eu engoli em sexo -ops, acto falhado, queria dizer em seco). Depois do clic, esperem uns segundos pelo descarregar do último episódio Ninjai.
Além deste, na Atomfilms há muita literatura sado-cartonística para apreciar.

Clara e o 'cabrãozinho'

O quarto onde eu e a raposa pernoitámos três longas jornadas era o pior da maternidade. O aquecimento central não se podia desligar ou regular. Parecia que estávamos na estufa de uma floresta dos trópicos, com uma fauna prodigiosa a criar-se e desenvolver-se no meio da folhagem e da humidade. O berço imaculado e translúcido onde a minha pequenina se deitava fora colocado ao lado do calorífero preso na parede. Só ao segundo dia percebi que a menina não estava bem no meio de tantas palhinhas. Suava e desmoralizava, perante uma antevisão do que deveria ser o seu novo mundo: um autêntico banho turco. Eu sofria também com a temperatura e a dada altura optei por fazer vida no corredor onde se podia respirar, para espanto do resto da população daquela maternidade, que não conseguia perceber o motivo pelo qual duas mulheres (eu e a minha room-mate) passavam o tempo de mama ao léu, com os bebés a tiracolo a observar o tráfego no corredor. Eu e Clara (uma mãe de 20 anos a quem vi passar em esforço para a Sala de Expulsão, pouquíssimos minutos depois de eu a ter abandonado, para ter o seu “cabrãozinho”, um bebé impressionantemente cabeludo), Clara e eu. As duas daquele quarto. A minha companheira e mãe deste contemporâneo da raposa vinha da Musgueira Norte, tinha uma dentição muito mal tratada, e parecia claramente mais velha. Passava o tempo a dar de mamar ao seu “menino”, como se tivesse um nenuco nas mãos e soubesse das mulheres mais velhas da família que era bom dar-lhe de comer sempre que ele quisesse e quanto mais melhor, para cedo se fazer um homem “e ir às putas”, uma frase que lhe cheguei a ouvir naquele quarto. O seu “cabrãozinho”, era assim que lhe chamava, era um bebé feio sem sombra para dúvidas. Até ao pai, um tipo com áurea aromática (a óleo de motor de carros), até a ele lho ouvi dizer: “És mesmo feio, caramba”. A criança, comprida e muito esguia, tinha um tom multicolor na cara, que oscilava entre um rosado e um amarelo de icterícia. Além disso, parecia um homem velho num corpo imberbe.
Clara trabalhava numa pastelaria, e ficou grávida do namorado de 36 anos, que se alegrou com a boa nova e a convidou a viverem juntos na sua casa de cinco assoalhadas, e paredes forradas de humidade. “Eu não queria, mas aceitei”, disse-me transparecendo profundo desencanto quando falava sobre aquele homem. Cheia de fantasias de bonecas na cabeça, a minha companheira de quarto passou aqueles três dias a sonhar com o enxoval azul do bebé, que queria estrear no dia em que fechasse a porta da maternidade e entrasse no bairro da Musgueira sentada no carro do marido, orgulhosa de um menino tão fortalhaço dentro de um fatinho tão jeitoso – foi a madrinha que ofereceu a indumentária. E Clara, antes de a envergar corpinho acima, pô-la em estado de exposição sobre a cama, olhou, suspirou e fotografou carinhosamente. Parecia as montras que a PJ faz para a televisão quando apreende grandes quantidades de haxixe, telemóveis, dinheiro falso e duas ou três armas. Tudo alinhadinho, como na farmácia, e dobradinho até à exaustão. Aquilo durou horas, parece-me.
Quando Clara entrou naquele quarto eu alegrei-me de ter alguém ali ao lado para conversar um pouco. Tive esperanças de que fosse uma mulher com quem pudesse partilhar qualquer coisa. E pude, de facto, mas houve momentos em que já só suplicava por silêncio. Era uma menina de bom coração, que tinha no currículo a adopção corajosa de uma bebé lá do bairro, cuja mãe tinha desaparecido do mapa e o pai era toxicodependente. A criança de dois anos chamava-lhe mãe e apesar de não ser oficialmente sua filha, andava a travar essa luta com a burocracia. Confesso que fui desenvolvendo algum carinho por ela apesar de ter vontade de lhe chamar tontinha cada vez que a ouvia proferir os chavões desusados da sua avó ou bisavó. Foram dois ou três dias de exercício de memorização das frases mais inócuas do senso comum mais comum. E até fiquei ligeiramente decepcionada quando, no dia em que tivemos ambas alta, agarrou nas malas e foi-se embora, do alto do seu fato de treino Adidas, como manda a moda do subúrbio, sem dizer água vai água vem. Eu tinha ido à casa de banho, e olha, quando voltei já lá não estavam. Nem um adeusinho. Bem sei que estava desesperada, que queria ir mostrar o “cabrãozinho” à família, desfilar com ele nos becos do bairro, que chorara várias vezes nas derradeiras 24 horas, depois de saber que não teria alta ao segundo dia, mas sim ao terceiro, exactamente como eu. Sim, sei isso tudo, que Clara estava bem mais solitária naquele quarto. Entendo. O seu companheiro aparecia atrasado e saía três horas antes de a visita dos pais terminar, enquanto eu ficava lá no quarto, mesmo ali ao seu lado, entretida com o meu companheiro a mimar a nossa raposinha. Era duro para Clara que acabava por adormecer horas sem fim, ao lado do seu menino feio que lhe parecia lindo. Graças à minha curiosidade fiquei a saber muitas coisas sobre a sua vida, mas Clara não quis saber nada sobre a minha. Precisou de um dia para decorar o nome da minha filha e de dois para memorizar o meu. Malgrado esta apatia sobre o mundo à sua volta – pois se ela já tinha um provérbio para tudo – falava sem parar sobre temas variados, tinha saudades da televisão, e respondia de forma altamente graciosa a situações como a da vacina do menino. Veja-se: “Aquela puta, se fosse espetar a agulha na cona da mãe dela fazia bem melhor!”.