quinta-feira, 30 de março de 2006

BVG


É a melhor empresa de transportes que conheço. Proporcionou-me os episódios mais insólitos que vivi em Berlim. Lá dentro, nos corredores cegos do U-Bahn comecei a perceber melhor em que planeta a minha nave espacial tinha aterrado. Mas também nos bancos de autocarros modernos, com a sensação de estar num berço, compreendi as regras sem excepção, as caras sem emoção, os pensamentos em alemão. Adoro as estações de metro da Berlim velha DDR. Os túneis de comunismo póstumo, cheiro a Imbiss e salsicha, os punks como em casa, os cães atrelados, os carrinhos de bebé com vias de bus, as bicicletas acartadas às costas (eu levava todos os dias a minha de mãos dadas durante 40 minutos na linha 7, direcção Rudow, para depois lá em cima passear-me um bocadinho pelos canais). Foi numa destas viagens de U-Bahn, a caminho da casa de uma amiga especialíssima, foi há 10 anos, acho que a saída era Mierendorfplatz, na mesma linha azul. Foi, foi. Eu sentadinha na minha cadeira, com aquele nariz de quem lamenta que se possa viver assim sem sol por dentro e por fora, apanhei a mochila e esgueirei-me quando a cobra apeou. Reparei que atrás vinha um rapaz da minha idade, cabelos pelo ombro, castanhos, olhos verdes, bonito, e com ar de quem gosta de coisas doces. Um tipo açucarado. Era noite, umas 22h00 para aí. A carruagem partiu com menos três ou quatro passageiros. Os outros dois enfiaram-se por outros buracos, eu e ele ouvimos os passos um do outro, os meus pacificados, os dele ligeiramente nervosos. Percebi. Liguei as antenas. Mantive a serenidade. Porra, aquela cidade era provinciana à brava. Tirando alguns lugares a Este, desaconselháveis para morenas (a uma amiga italiana cuspiram-lhe na cara), 'tá-se muito bem. O tipo abordou-me assim que apanhámos com o frio no focinho. Delicado, em alemão, começou por pedir-me o entschuldigung do costume, perguntou-me se falava a língua, eu disse a verdade: muito pouco. Mas começou a licitar. Queria que lhe ‘batesse na pila’, vulva / vulgo punheta. Eu respondi que não estava interessada e prossegui. Na rua só as árvores mortas, os carros parados, as janelas com luz a escorrer pelas paredes como o chocolate daquele bolo que a minha irmã faz tão bem. Não tive medo. A casa da menina S era mesmo ali a cinco minutos, eu tinha uma força qualquer no coração rígido do frio, e o gajo parecia um menino de coro. Caminhou atrás, esperou uns segundos, voltou a aproximar-se e fez uma oferta de 40 marcos. Eu voltei-lhe as nádegas com um nein e sotaque. Segui. Ele seguiu-me, dois passos on the back, e eu ouvia-o miar em marcos, e actos. O preço foi baixando, mas o serviço também. A certa altura, na esquina em que viro para a rua da minha amiga, a conversa já era, ‘Nur gucken, nur gucken’, por 20 marcos – o câmbio não me apetece fazer, mas a tradução é simples. Eu só tinha que olhar, quem batia o punhal era ele. Continuei abanando a cabeça, com o gatilho da mochila entre dedos, contente por a porta do prédio estar ali. Toquei a campainha, ele plantou-se a poucos metros, a minha amiga levou uma eternidade a atender, quando me virei de esguelha, a calça aberta e ele a punhetar à borla. Eu entrei finalmente, fechei a porta, fumei cigarros com a menina S, ouvimos Sérgio Godinho, e na janela da frente, sem cortinas, os vizinhos faziam amor gratuitamente. Não sei se lhe mandaram uns marcos por correio. Também não era caso para tanto.

Foto: Lisa Whiteman

7 comentários:

  1. Tu não tiveste,medo, mas eu tive!
    Fiquei com vontade de lhe mandar uns marcos...
    Por ter dado mais esta estória, felizmente sem consequências físicas para ti.
    Se para os vizinhos as houve, ora bem!.. É preciso é que o façam - o amor - sem terem meninos despojados na rua.
    Obrigado pela estória antes de dormir!

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  2. Eu e PSSM a falarmos no chat de "bater", "penetrar" e mais uma ou outra coisinha inocente e tu a postares uma coisa destas? Shame on U!

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  3. Afinal a tal penetração auditiva teve resultados.
    Muito bem!
    :)

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  4. fico fascinada com as taras dos outros

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  5. Há jovens com cara de anjo e taras assim em todas as cidades. Mas confesso que encontro sempre mais velhotes tarados do que jovens tarados...

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  6. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  7. PTFN e PSSM, Juro que não estive a ouvir a conversa no escuro, tipo voyeur. Nem notei, só depois percebi que vocês tinham estado a blablabar. Se não fosse tão aérea, teriamos feito um menáge a trois. O meu marido não se importa, desde que seja com mulheres mmás!
    :)

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