domingo, 12 de março de 2006

A minha lista é melhor do que a tua


A propósito deste post, lembrei-me deste filme. Ainda não era mãe quando o vi, mas lembro-me de sofrer como se fosse. Coisa rara: nunca me deixei impressionar pela ficção e os instintos maternais só se revelaram já o meu útero crescia. A Sofia é dada a hipótese de salvar um dos filhos, mas só pode escolher um. Ou escolhe um, ou morrem os dois. O que fazer?
Na vida real, houve quem tivesse este drama, de facto, durante o Tsunami. Uns decidiram agarrar o mais pequeno, por achar que o mais forte poderia safar-se sozinho. Outros escolheram o mais velho, pensando que nunca o mais fraco sobreviveria à força das águas. Lembro-me até de um caso em que uma mãe pegou no mais novo, na esperança de que o mais velho conseguisse agarrar-se a qualquer coisa. Acontece que o mais velhor sobreviveu mesmo. Foi a melhor, a escolha desta mãe? O mais velho não percebeu por que é que a mãe o tinha deixado para trás. Por que é que tinha escolhido o irmão e não ele. Quando li esta notícia, o miúdo recusava o reencontro. É realmente impossível escolher entre dois filhos.
Mas, em ambos os casos, sendo ficção ou realidade, a dramática decisão foi tomada em segundos, no momento, sem tempo sequer para grandes reflexões. Pergunto agora quem são os 100 mil portugueses "fundamentais". Fundamentais para quem e para quê? Esta foi uma escolha PONDERADA. E decidiu-se que as pessoas são fundamentais pelos cargos que ocupam. O que é isto? Imagino que estejam também na lista dos fundamentais todos os tachos e ex-tachos do país. Mal posso acreditar. Uma Fátima Felgueiras ou um Alberto João Jardim estarão, segundo este brilhante critério, na lista dos fundamentais.
Estou há quatro dias de folga, sem consultar a Lusa. Mas tenho ouvido a TSF e lido o Público. E isto passar-me-ia ao lado caso não fosse parar a este post via Caiê. Afinal ainda não perdi a capacidade de me espantar. "É proibida a entrada a quem não estiver espantado de existir", escreveu José Gomes Ferreira. A nós e aos nossos é-nos proibida a entrada na lista por não sermos fundamentais. Pouco poético, nada justo. Nonsense puro. Difícil de comentar. Difícil de parar de comentar. Será só uma questão semântica? Estará este meu espanto na força da palavra fundamentais?
Ainda não me preocupa a gripe das aves. Mas preocupa-me, espanta-me, o facto de haver por aí uma gentalha que acha mesmo que pode decidir quem é ou não fundamental. E que tal a câmara de gás para os restantes ranhosos dispensáveis?

4 comentários:

Isabel Freire disse...

Bom isto faz-me lembrar uma entrevista que fiz a um alto dirigente de um organismo ligado à saúde. Dizia o senhor que no Hospital da Estefânia havia excesso de zelo em exames e análises, que se tratava de uma espécie de política despesista, e que tendo em consideração as probabilidades de certas ocorrência ou doenças, não valia a pena tanta preocupação. Ou seja, dois indicadores naquela cabeça: a estatística e as despesas. Perguntei-lhe: e se em causa estiverem os seus filhos a sua opinião continua a mesma? Engoliu em seco e prosseguiu o discurso cassete política.
Li a Escolha de Sofia há muitos anos e ainda hoje, de vez em quando, me arrepia a ideia.

péssima disse...

Não é tão inacreditável como pode parecer à primeira vista. Como isto há inúmeras situações semelhantes. Sempre foi assim, de uma ou outra forma. Quero dizer que não me espanta. Mas uma coisa é certa, também eu faria qualquer coisa, quero mesmo dizer qualquer coisa, para salvar os meus filhos. Mais difícil seria se tivesse de escolher um deles, nem o consigo pensar sequer. É daquelas coisas que apenas pensarei se me vir confrontada com a situação.

Caiê disse...

Eu conheço uma situação assim... Durante um sismo na minha terra, uma mãe teve de puxar os filhos para fora de casa. O instinto levou-a a tirar o bebé e a deixar a menina, para ir buscá-la depois (era mais velha, podia, talvez, desenrascar-se... sei lá, uma pessoa nem pensa, pensa que tem de proteger e ocorre-lhe o bebé). Quando voltou pela menina, já lhe tinha caído o quarto em cima e ela estava morta. Imaginem o que passa pela cabeça de uma mãe...
Viver é escolher e escolher é tramado.

tess disse...

e depois estranham que eu, uma senhora com um aspecto tão discreto e educado, diga asneiras e que insulte de tudo este país e os seus governantes...Às vezes mais valia nem saber estas coisas (como senão desconfiássemos já, como se de outra forma, mais correcta ou mais justa, pudesse ser...)