sexta-feira, 29 de junho de 2007

"Calem-me a criancinha que não consigo mastigar"

«Estava Miguel Sousa Tavares na TVI a comentar a nova Lei do Tabaco quando da sua boca saltou esta pérola: o fumo nos restaurantes, que o Governo quer limitar, incomoda muitíssimo menos do que o barulho das crianças - e a estas não há quem lhes corte o pio. Que bela comparação. Afinal, o que é uma nuvenzinha de nicotina ao pé de um miúdo de goela aberta? Vai daí, para justificar a fineza do seu raciocínio, Sousa Tavares avançou para uma confissão pessoal: "Tive a sorte de os meus pais só me levarem a um restaurante quando tinha 13 anos." Há umas décadas, era mais ou menos a idade em que o pai levava o menino ao prostíbulo para perder a virgindade. O Miguel teve uma educação moderna - aos 13 anos, levaram-no pela primeira vez a comer fora.

Senti-me tocado e fiz uma revisão de vida. É que eu sou daqueles que levam os filhos aos restaurantes. Mais do que isso. Sou daquela classe que Miguel Sousa Tavares considerou a mais ameaçadora e aberrante: os que levam "até bebés de carrinho!". A minha filha de três anos já infectou estabelecimentos um pouco por todo o país, e o meu filho de 14 meses babou-se por cima de duas ou três toalhas respeitáveis. É certo que eles não pertencem à categoria CSI (Criancinhas Simplesmente Insuportáveis), já que assim de repente não me parece que tenham por hábito exibir a glote cada vez que comem fora - mas, também, quem é que acredita nas palavras de um pai? E depois, há todo aquele vasto campo de imponderáveis: antes de os termos, estamos certos de que vão ser CEE (Crianças Exemplarmente Educadas), mas depois saltam cá para fora, começam a crescer e percebemos com tristeza que vêm munidos de vontade própria, que nem sempre somos capazes de controlar.

O que fazer, então? Mantê-los fechados em casa? Acorrentá-los a uma perna do sofá? É uma hipótese, mas mesmo essa é só para quem pode. Na verdade, do alto da sua burguesia endinheirada, e sem certamente se aperceber disso, Miguel Sousa Tavares produziu o comentário mais snobe do ano. Porque, das duas uma, ou os seus pais estiveram 13 anos sem comer fora, num admirável sacrifício pelo bem-estar do próximo, ou então tinham alguém em casa ou na família para lhes tomar conta dos filhinhos quando saíam para a patuscada. E isso, caro Miguel, não é boa educação - é privilégio de classe. Muita gente leva consigo a prole para um restaurante porque, para além do desejo de estar em família, pura e simplesmente não tem ninguém que cuide dos filhos enquanto palita os dentes. Avós à mão e boas empregadas não calham a todos. A não ser que, em nome do supremo amor às boas maneiras, se faça como os paizinhos da pequena Madeleine: deixá-la em casa a dormir com os irmãos, que é para não incomodar o jantar.»

João Miguel Tavares
Jornalista
jmtavares@dn.pt

4 comentários:

mai xinti disse...

Subscrevo, e acrescento: porque já vi muita CSI em restaurantes e até a minha, que não é uma CEE, mas que nunca deixei de levar comigo A TODO O LADO - corram antes com os PSI (pais simplemesmente insuportáveis), e os restantes adultos que se comportam como FSI (filhos simplesmente insuportáveis) esses incomodam muito mais. Ah, e a propósito: não me admira que este senhor apenas tenha começado a ir aos restaurantes aos 13 - acho até que o deixaram saír demasiado cedo, lá para os 65 tinha sido o ideal....

Anónimo disse...

Tudo começa com a propria educação ministrada ou falta dela. A verdade é que cabe os pais ter a sensibilidade de retirar quando os miudos desatam em alegre xinfrineira; seja no restaurante (que eu ja abandonei a meio), seja na missa, seja no concerto, seja no supermercado. Pois a liberdade deles termina quando interfere na nossa. Ainda que seja bonito ver crianças inocentes brincar, rir e chorar, diga-se que não é coisa agradável para se ter como recepção num espaço que se pretende relaxante qb para que o repasto não ande às voltas no estomago. Afinal sempre é poluição sonora. É feio dizer mas é verdade, o Miguel tem razão. Um choro e uma coisa mas uma sinfonia... prefiro das outras.

mai xinti disse...

O Miguel só não tem razão porque não é isso que ele diz - ele prefere banir pura e simplesmente criança de restaurante. Uma coisa, e não posso concordar mais, é esse bom senso de saber quando se está a incomodar os outros, seja com a criança aos berros, seja a fumar, seja a falar para todo o restaurante ouvir, seja com os irritantes toques de telemóveis que (para mim) estragam uma refeição - coisa que claramente o tavares não entende. Outra é, ser tão fundamentalista quanto os que ele acusa de fundamentalismo, em achar que restaurante e criança não é compatível. E não é uma questão de ser ou não politicamente correcto - é uma questão de congruência no discurso de um senhor que, em muitos e variados aspectos, mede o mundo pelo tamanho do seu umbigo, esse mesmo umbigo que tem vindo a crescer na exacta medida do alargamento do perímetro da sua cintura.

Anónimo disse...

Pronto, e não ficou nada para dizer.
:)
MXNT, tu tens andado a treina a 'argumentária' em qual ginásio?
Um grande beijinho!
VW