domingo, 4 de fevereiro de 2007

Sim, é fazer as contas...

Na minha casa há dois ordenados de classe média (cada vez mais baixa), dois adultos e duas crianças. Como nenhuma das minhas gravidezes foi planeada, às vezes ponho-me a imaginar o que faria se houvesse outro acidente. Nenhum método contraceptivo é infalível e as minhas duas enérgicas e barulhentas filhas aí estão a prová-lo. Mais um filho seria a nossa ruína financeira. E eu por enquanto ainda só sei viver, sobreviver não sei se consigo.

Hoje resolvi navegar na net, à procura de um qualquer biscate que me permitisse, sei lá, o luxo de contratar uma mulher-a-dias. E encontrei algumas extraordinárias ofertas de trabalho neste nosso minúsculo Portugal...

Profissão: AJUDANTE FAMILIAR (M/F)
Horário: DAS 08H AS 16H DAS 16H AS 24H
Descanso Semanal: A COMBINAR
Conhecimentos Profissionais: A EMPRESA PRETENDE PESSOA COM OU SEM EXPERIÊNCIA PARA FAZER A HIGIENE DOS UTENTES E LIMPEZAS, "A EMPRESA PEDE PESSOA COM GOSTO PELO TRATAMENTO DE IDOSOS, COM FORTE HUMANIZAÇÃO, INTERESSADA E MEIGA"
Tipo de Contrato Oferecido: Temporário
Duração: 6 (meses)
Trabalho a Tempo: Completo
Remuneração oferecida: 403 Euro

Anham... Esta empresa quer alguém "humano, interessado e meigo" para tratar de idosos e fazer limpezas (o que para este empregador deve ser exactamente a mesma coisa), em horário completo, com contrato de 6 meses e provavelmente a trabalhar também aos fins-de-semana. Em troca oferece o muitíssimo humano e interessante ordenado de 403 euros (os 3 euros é que fazem a diferença, claro) por mês. Será bruto ou líquido?

O mesmo ordenado, 403 Euros, é oferecido a uma engomadora, que trabalhe com contrato a termo, das 9H ÀS 18H DE 2ª. a 6ª. FEIRA e, pasmem-se, que tenha carta de condução de ligeiros (suponho que pague a carta, o carro e a gasolina com este brilhante ordenado).

A uma esteticista com experiência, a tempo inteiro e com contrato permanente já pagam (UAU!) 550 Euros.

Uma COSTUREIRA para TRABALHO EM SÉRIE (M/F) poderá, trabalhando entre as 8H30-12H30 e as 14H-18H, com contrato de 6 meses, ter no fim do mês 405 euros no bolso, mais 2 euros(dois!) por dia de subsídio de refeição. Com sorte, caso nenhum dos 10 filhos adoeça, poderá ainda contar com um PRÉMIO DE ASSIDUIDADE DE 46 EUROS (e o prémio será semestral ou mensal?).

Enfim...
O que dizer destes salários? Como fazem estas mães para dar o mínimo dos mínimos aos filhos? Como é que conseguem alugar uma casa, comprar comida, roupa, material escolar? Como?

Não gosto da discussão em torno do aborto. Não gosto mesmo. Para mim um feto de 10 semanas é vida e disso não tenho dúvidas nenhumas. Ponderei fazer um aborto. Esta confissão custa-me: sinto-me culpada só por ter posto esta hipótese. Não fiz e ainda bem. Hoje dificilmente faria um aborto, mas tremo só de pensar nas consequências doutra gravidez não planeada.

Não gosto da pergunta do referendo. Mas desejo ardentemente que qualquer mulher possa, em consciência, decidir se pode ou não ser mãe. Ou se acode aos filhos que já tem ou aos outros que ainda não nasceram. É por isso que apelo ao voto no SIM no referendo do próximo fim-de-semana. Não é esta a minha solução. Nenhuma mulher com um contrato a termo e 400 euros no bolso pode decidir EM CONSCIÊNCIA se pode ou não ter um filho. É demasiado miserável. Não é esta a minha solução, mas é que temos disponível.

Desejo ardentemente que o Estado páre de distribuir subsídios a torto e a direito e que pergunte a cada mulher com um filho no útero com ou sem 400 euros no bolso se quer ou não prosseguir a gravidez. Quer? E se quiser, pode? Não pode? Do que precisa? Alguma coisa que o Estado possa dar? E tem noção do que é ter um filho? Sabe que pode chorar 4 meses seguidos, dia e noite, sem aparente explicação? Esta última pergunta (e as outras também) são feitas na Alemanha, país com falta de meninos e meninas, em TODAS as consultas de pré-natalidade. Na Alemanha, que se debate com o mesmo problema de envelhecimento da população, o Estado quer ter a certeza de que as pessoas SABEM o que é e PODEM e QUEREM ter um filho. Mas isso é na Alemanha. Por aqui resta-nos escolher, por enquanto, entre um SIM e um NÃO.

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