domingo, 30 de abril de 2006

Socorro vírgula tirem-me daqui

Agarrou-me devagarinho, tão devagarinho que eu só dei por ela quando a sacudi. E para a sacudir foi muito complicado, não julguem que não o foi, porque o foi. Primeiro tolheu-me os pés, eu andava, mas era como que se não andasse, depois já não sabia se usava meias ou não, seguiram-se os tornozelos, as canelas com os gémeos, joelhos, os presuntos, as cenas e afins mais ou menos salientes até o pescoço. Mas nada disto me tinha preocupado até então. Foi quando a coisa me possuiu a boca permitindo-me apenas uns ahn-ahn, uhm, hein, ahh, ó, e quando chegou ao nariz, já nem a fungadela conseguia gerir de forma autoritária, dei com o nariz a ter vontades próprias, quando me fechou os olhos, e os mantinha fechados com imagens que nem sempre me pertenciam a passar, que nem filmes coloridos em instalações dos bombeiros, quando me electrizou o cabelo, ficando os fios, do cabelo, agrupados em molhos encaracolados a parecerem as caracoletas que se passeiam pelas paredes do prédio nesta altura do ano, cada uma para seu lado, quando me penetrou a mente, ficando o pensamento reduzido ao tenho-de-ir-à casa-de-banho e ao tenho-de-comer voltando ao tenho-de-ir-à casa-de-banho, que me assustei verdadeiramente. Bem não assim tão verdadeiramente mas verdadeiramente apenas. Sacudi-me, abanei-me, reagi-me, falei-me, levantei-me, lavei-me, olhei-me, pensei-me, percebi-me, desentendi-me, li-me, re-li-me, ri-me, assoei-me e depois repeti o processo pela ordem inversa, assoei-me, ri-me, re-li-me, li-me, desentendi-me, percebi-me, pendei-me, olhei-me, lavei-me, falei-me, reagi-me, sacudi-me, levantei-me, falei-me, reagi-me, abanei-me e sacudi-me que nem tapete cheio de pó pendurado na janela em dia sol domingueiro. É. Não foi fácil. Mas consegui espantar a inoperância que se apoderou de mim, pelo menos por enquanto.

quinta-feira, 27 de abril de 2006

Visões do Feminino


XX - Visões do Feminino na Colecção dos Encontros de Fotografia
Centro de Artes Visuais de Coimbra
Até 28 de Maio

"[...] fala-nos do corpo, do toque, da diva, do travesti, da adolescência ou do orgasmo feminino, procurando uns lugares-comuns e fugindo de outros. Aqui não há mães nem esposas. Apenas mulheres"
Albano Silva Pereira, director dos encontros, ao Público (2 de Abril de 2006)

Imagem: Bill Brandt

quarta-feira, 26 de abril de 2006

"Blow Up"


Não resisto a tanto verde...
:)

terça-feira, 25 de abril de 2006

Motoserra










É uma casa portuguesa. Uma família com certeza.
Um pai e uma filha que se estimam vigorosamente.
Ele, absolutamente apaixonado pela vida, enloquecido pela magia dos seus braços, abençoado por uma imaginação insana, sonha o sonho da filha, mesmo que isso implique vê-la morrer numa arena.
Ela, tímida que nem esquilo, tão brava quanto serena, sabe desde os 9 anos que gosta de bestas e tem queda para triunfos.
Toureiam e treinam os dois, numa quinta sem brasão, todos os dias.
Um Blow Up pouco luso, um episódio que me fez sair renovada daquelas terras lavadas em lágrimas de gargalhadas.
Foda-se!
Também gostava que um dia o meu 'marido' cortasse uma carrinha ao meio com motoserra, e em 3 horas a transformasse num veículo pouco ortodoxo para transportar a minha miúda e dois cavalos, atrasados para uma tourada algures.
Que dois!!!
Isto é melhor que uma lamparina mágica, um génio e três desejos.
Queridas MMÁs, tudo é possível. Vamos lá a ligar a máquina! Vrummmmmmmm!!!

segunda-feira, 24 de abril de 2006

Desafio



Agora sou eu quem desafia as MMAS e restantes convivas a continuar a história que aqui está a crescer. O blog é do Espaço Lúdico (vulgo ATL) de uma escola pública de Cascais.

Who's next?

MMá-música?

Hoje à noite, sentada perto da janela, ouvi o mar como se estivesse a querer engolir-me o alpendre da casa salgada. Era um avião. Enganei-me, afinal.
Hoje à tarde, as taças cantantes de Eugénio Ramos, 59 anos, musicoterapeuta educacional, trouxeram do Japão e do Tibete, vibrações, sonoridades, ritmos, espontaneidades, que pareceram uma brincadeira muito bem,.. muito libertadora.
Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva, será gente? Gente é certamente e a chuva também bate assim.

In-ter-subjectividades:
1. Começou a horas, na Casa dos Dias da Água, e estavam na sala com as portadas fechadas seis mulheres sem filhos;
2. Ouvimos uma explicação breve, sentadas nas cadeiras;
3. Experimentámos os metais individual e timidamente;
4. Fizemos dois grupos e ouvimo-nos a soar em conjunto, um de cada vez;
5. Escolhemos cada uma sua taça cantante e começámos uma jam section, à procura de conversas sem palavras.
6. Repetimos o exercício 3 vezes e de cada vez que o mestre nos dizia para começar, tínhamos vontade maior de tibetar. Tibetámos. Timboreleámos. Tilinteámos. Tlim-tlim-támos-tamos.
7. As vibrações das taças parecem mentira. O corpo ondula com aquilo e não é mesmo impressão, é verdade.
8. Deitámo-nos no chão, tapámo-nos, fechámos as portadas dos olhos e ouvimos os sons-instrumentados do mestre, durante um tempo que ninguém contou. Viajámos nas nossas células cantantes com estímulos electro-magnéticos e cumprimentos de onda. Energias subtis, terapias de uso consciente, tratamentos breves.

“As mulheres experimentam com mais facilidade as emoções e debatem-se mais com elas”, acredita Eugénio Ramos. O musicoterapeuta dá sessões individuais e em grupo. As MMÁs recomendam, dão informações e contacto, a quem estiver interessado.
Merci bien!
Mmázinhas,… está na hora de ir para a caminha!!!






o terapeuta

domingo, 23 de abril de 2006

Águas revoltosas

A propósito do desafio de Caiê, aqui fica a minha escolha.

Liberdade de espressão!

A foto é de Tomohisa Kato, a mulher e a criança são norte-coreanas e o título do post é meu, pelo simples facto de ter sido aqui, de frente para a imagem, na exposição WPP 2003, no CCB, que me rebentaram as águas.

sexta-feira, 21 de abril de 2006

As importância das consoantes

BOLA, OLA, QUEM É?, DÉ PAPÁ, MÃMÃ, CAIÚ, OH, TÁTÁ, CÁCO, CÓCÓ, RRR, TÁQUI, QUÉ!, BANANANA...., MÃO, PAPA, QUÉ PAPÁ, VRUMM.

Família

Sagrada Família



Na verdade, os vinte anos de Raul haviam decorrido sem uma página de romance. Nunca um sorriso de uma mulher viera iluminar a sua mocidade. Sem mãe, não tinha relações. Muita vez, para o distrair, tentei carregar com ele para qualquer «reunião familiar». Nunca o consegui. Dizia-me:
- Meu caro, todos nós temos um ideal. O meu, não te digo qual é. Se o confessasse, deixaria de ser ideal... Todavia, afianço-te que nele não há nenhuma mulher... não há mesmo ninguém, senão eu. Sou um bicho do mato... Ah! não sentir ninguém perto de nós... fazer só o que a nossa vontade exige... Parece impossível que se ame a vida familiar... A família! Que náusea!...

Excerto de Loucura...
Mário de Sá-Carneiro

Tem (t)pinta



Nate Williams



quinta-feira, 20 de abril de 2006

Pode algum som produzir efeito biológico?

A utilização de sons, melodias, ritmos e harmonias, por um musicoterapeuta qualificado promove mudanças físicas, mentais, sociais e cognitivas, positivas.



Musicoterapia
é a nossa proposta para este encontro.


Sem crianças, sem telemóveis, sem ideias preconcebidas, pedimos às MMAs que levem uma manta (almofada, cobertor) para se deitarem de forma confortável e roupas largas (a sessão é feita com os pés descalços). A primeira parte da sessão será explicativa e experimental. A segunda parte será de relaxamento e abandono ao som e indicações do musicoterapeuta.

Eu/Não Eu

Que falta me faz o burburinho de Lisboa/O mar deve estar bravo, até aqui se ouvem as ondas!
O pulsar da vida.../Ir buscá-los à escola, escorregar num parque junto à praia, olhar o pôr do sol e pôr o carvão a arder para grelhar o que nos dê na telha.
E as galerias, os concertos.../“Othelo” em Faro? Música para bebés, também este fim de semana?
E os amigos.../É tão bom ter telefone, e internet, e os reencontros. E quando eles cá estão...
Dois dias aí fechada?/Hummm, o cheirinho da roupa que seca numa hora ao sol!
7h30 - Oh não, já acordaram!/Serra com eles? Avós? Ribeiras? Primos? Areia da praia? De Verão tem a vantagem de estarmos de regresso quando todos estão a chegar. A praia é nossa.

A vida também é nossa, resta-nos isso.
Podemos fazer dela o que bem entendermos. Recomeçar quando quisermos, onde quisermos.
Os recomeços são partos que repetimos, igualmente angustiantes, desgastantes, dolorosos, crús, surreais, avassaladores, ricos.
E as escolhas são como os filhos. Por vezes trazem-nos amargos de boca, outras vezes enchem-nos a alma. Uns dias trocam-nos as voltas, noutros mostram-nos que faz todo o sentido. Numa hora dizem-nos “não goste di ti” e sentimos que somos uns desgraçados. Na hora seguinte segredam-nos “posso casar contigo?” e aí temos a certeza que estamos no bom caminho. Mesmo sabendo que o relógio não pára e que ninguém sabe o que pode acontecer quando o ponteiro dos minutos der a volta completa. Certo é que nos traz sempre uma hora diferente, basta parar, escutar e olhar.

Curiosidades

– Ó maãe de que animal é que vem o café? Da foca?

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Body Combat


Vá lá meninas, mais uma vez:
Inspira, expira! Inspira, expira!
E repete com o outro braço!
Insiste, insiste!
Novamente!
Vão ver que amanhã se sentem muito melhor!
Nada se consegue sem esforço, não sejam preguiçosas.
Muito bem!
Atenção, o exercício é para fazerem em casa, enquanto lavarem a loiça, fizerem a cama, comprarem o leite, mudarem a fralda, picarem o ponto, sonharem de noite, e puserem o batôn.
E livrem-se de me aparecerem cá na próxima aula de mãos a abanar!

terça-feira, 18 de abril de 2006

¡ ... !


Desconstrução do primeiro texto artístico do meu piolho, depois da reunião de pais do segundo período da primeira classe:

Eu quando for à escola eu vou embora para ir lá para baixo eu vou fazer um jogos. Eu quando para e para a escola vou fazer os trabalhos.

Já o bicho-das-castanhas prometeu-nos uma acção tipo Sinédrio caso não parássemos de falar baixo e por códigos de forma a que eles não percebessem…

Tuxices das boas


Para que os miúdos fiquem entretidos durante algum tempo a aprender, jogar e brincar aos crescidos que trabalham bué aos computadores descobri o TUX PAINT. Um programa de desenho em computador para crianças simples e muito divertido.
O download está disponível para todos os sistemas operativos gratuitamente.
Bons desenhos.

Objecto de afeição

Dei conta dele por razões negativas. Que mandrião, pensava eu.
Um mês passou e começou-me a ser vício o ir espreitá-lo à janela. Ao fim do terceiro mês já era tema de conversa e ponto de atracção dos convivas cá de casa.
– Então, há novidades do tipo?
– Ó, continua tão enamorado como sempre.
E assim se passaram seis meses, sete talvez. Sempre que o via ali estava ele empoleirado em cima do muro a olhar de forma contemplativa aquele buraco que teimava a ser um pouco maior de dia para dia. Olhava com óculos de sol, depois olhava sem óculos de sol, depois ainda em dias de chuva, assim como nos dias de sol ou vento. Por vezes ao fim-de-semana também olhava. Vi-o apalpar e dedilhar aquele e outros pré-avisos de buracos vezes sem conta. E sempre de forma interessada, sedutora. Um dia fez-se acompanhar de martelo e cinzel e abriu uma racha de alto a baixo, escandalosa e muito mal encarada. Depois colocou uns tipo entraves aparafusados a dois toros de madeira e ali ficou a contemplar a obra por mais uns meses. Um dia fez-se acompanhar por um amigo e ficaram os dois durante, pelo menos, três horas a olhar. Houve ainda um outro dia em que eram dois os amigos contemplativos e, cá de cima, adivinhei o pedido para tocarem e dedilharem o buraco ao que ele acedeu com um esticar de braço de toquem mas não muito se faz favor.
Um dia dei-me conta que a racha tinha sido revestida com cimento. Raios, perdi esta parte, reclamei para comigo. Tornei-me mais atenta e aguçada, não podia perder nada. Nos dias seguintes voltou a normalidade da observação enamorada e eu descansei. Depois de nevar, chover e de me convencer que aquilo era mais que qualquer coisa, comecei a imaginar justificações sentimentais: aquilo é algo que ele imagina como que uma re-objectivação de alguém que um dia existiu para além de sonhos, ocorreu-me até ser um qualquer fetiche, ou uma outra forma de pensar desconhecida. É que tirando as vezes em que os amigos apareceram eu nunca o vi partilhar aqueles momentos com ninguém. Era uma coisa íntima e eu tornei-me uma voyeur reles.
Um domingo acordei aos gritos de ‘anda cá ver depressa’. Cheguei à janela depois de ter evitado a parede mas ter abalroado o banco de corredor. Ahhh! Afinal ele partilha a coisa. Estava ele, uma mulher e uma criança a olhar o muro pelo lado de dentro. Ao lado estavam os apetrechos de pintura e cobertores, plásticos, manta de viagem e lancheira. Veio para ficar, com a família. O fim aproxima-se.
No Sábado, melhor na madrugada do domingo passado, sim, sim, às duas ou três da manhã do domingo de Páscoa ele estava a dar uns retoques de pintura no lado exterior do muro. No mesmo lugar onde antes havia um buraco que passou a ser racha emendada com todo o cuidado, estava ele a retocar a pintura. Tinha posto um cobertor no carro que estava estacionado mesmo ao pé e subia e descia a escada de madeira encostada ao muro de três metros de altura para confirmar que os pormenores estavam a gosto. Deliciei-me a vê-lo a puxar a escada, a custo pois ele tem uma constituição física fraca, uns dois metros à direita e pegar num pincel pequeno molhado em tinta branca, certificar-se que não pingava, subir e pincelar um nadinha de nada, descer, ver, tornar a subir, dar mais um toque de nada, tornar a descer e tornar a deslocar a escada um ou outro metro à esquerda… Tudo isto à luz amarelada do candeeiro de rua. Agora o muro do prédio em frente está pronto, e se eu um dia tiver problemas com muros é aquela personagem que eu quero a tratar deles.

o objecto

red nails



Quem me conhece sabe que não tenho o hábito feminino de me meter dentro de um cabeleireiro regularmente. Na realidade não sou muito do género de me preocupar com o aspecto físico… bem, está bem, não me preocupo verdadeiramente com quase nada. Não gosto de ir às compras, por isso, quando gosto de uma peça qualquer compro logo duas ou três iguais para não me chatear com outras escolhas e depois uso-as até se romperem.
Mas tudo muda, tudo, pelo menos, durante um breve período de tempo em que me prometo que a partir de agora vou ser diferente, assim tipo a primeira hora de um ano novo. Nestes repentes de vontades decido uma data de coisas que quase nunca cumpro mas que entretanto me sabe bem imaginar que talvez.
Hoje tive um momento desses.
Fico sempre feita papa cada vez que aquele homem me mete as mãos à cabeça. Pronto cá estou eu, aqui me tens, faz de mim o que te apetecer. Entretanto surge uma japonesa que nunca tinha visto por ali (os meus garotos é que são os habituais do sítio). Pequenina, com um ‘soliso de olelha a olelha’ pergunta se um objecto que eu tinha deixado num dos lugares me pertencia “ó, que distraída, obrigada, sim é meu”. Deu meia volta mas voltou-se de seguida com um “não quele alanjále as mãos?”, “??? Anh? Eu? Mãos? Não, não!”, Não?! – pensei eu cá para comigo enquanto me lembrava da história da amiga de uma amiga que sobrevivia à custa de mãos embelezadas: “Quero, afinal quero”. E ali fiquei uns bons dez minutos a saborear massagens no couro cabeludo e nas mãos. É bom, assumi eu esquecendo tudo o que sou quase contra. O costume, perguntou-me o F, o costume, acedi.
Zás-zás-truchque-zás enquanto a menina tratava das minhas mãos. Eu nunca sei o que vai ser o costume, é um código que temos, ele detém os direitos sobre a minha cabeça, faz dela o que bem lhe apetecer no momento, excepto pintar. Confesso que uma vez experimentei e não gostei mesmo nada. Gosto dos ainda poucos cabelos brancos que tenho, são eles que me lembram que existo desta forma e porquê.
De que cole? Vermelho, sim, esse berrante que aí tem.
E pronto, lá saí eu para a rua com menos 20 cm de cabelo e as unhas pintadas de vermelho escarlate. Em piada o F diz-me sempre um ‘até para o ano’ e eu sorrio cá para dentro um ‘até daqui a uns dias’ que nunca cumpro a não ser como acompanhante.
Um destes dias visto um saia-casaco e calço uns sapatos de salto alto envernizados…
Imagem: FRANKLIN BURKE

Agregados


Assinale com uma cruz a tipologia da sua família: gótica, renascentista, romântica, impressionista, expressionista, surrealista, cubista, neo-realista, optimista, vanguardista, terrorista, purista, ortodoxa, fetichista, criminologista, funcional, burocrata, psicopata, feminista, conservadora, nacionalista, risível ou humorista, sobrevivente, nomoparental, aristocrata, fantasma, alienígena ou outra [qual?].

Fotografia de Jerrold W. Grossman, professor do Departamento de Matemática e Estatística da Universidade Oakland, Michigan.

domingo, 16 de abril de 2006

Obrigatório Comprar

Ainda sem crianças, saí do emprego (esquecendo rapidamente a minha triste condição de assalariada) e fui directa a uma livraria com a firme ideia de queimar uns tostões em dois livros: Quando a Mãe Grita, cuja deliciosa descrição tinha lido no Actual do Expresso; e Contos Fantásticos, que fiquei com vontade de comprar depois de ouvir a música de Tinoco no S. Luiz. Diga-se de passagem que um título de Terry Jones já cá cantava em casa - Novos Contos de Fadas. Um bocadinho esventrado pelas diabólicas mãos das duas criancinhas, mas ainda legível.

A livraria não tinha nenhum destes livros (what else is new?). Mas em cima do balcão, com grande destaque, estavam outros três, muito bem alinhados: Couves & Alforrecas - Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto e Não é Fácil Dizer Bem - Críticas, Obsessões e Outras Ficções, ambos de João Pedro George; e o novo da Margarida Rebelo Pinto. Comecei a folhear o primeiro. Depois de dar duas ou três boas gargalhadas, procurei o preço: pouco mais do que 8 eurecos.

Folheei o segundo, já mais carote, ainda assim com um preço aceitável. O índice conquista-me logo. Depois abro uma página ao calhas e confirmo o sentido de humor e acutilância.

Ainda quis dar uma vista d'olhos num livro infantil sobre Mozart, mas este vinha com preservativo e os dois empregados impediram-me de o abrir "porque traz um CD". Ironia esta, a de não podermos confirmar o conteúdo de um livro "porque traz um CD". Adiante. Não folheio, não compro.

Resolvo levar o primeiro, Couves e Alforrecas, porque o tipo merece. E também porque me lembro de ter lido uma espécie de apelo de Valter Hugo Mãe para que ajudássemos a nova editora Objecto Cardíaco. O segundo, da Tinta da China, já vai por gula.

Logo a abrir Couves e Alforrecas, George deixa um aviso: "o texto que se segue é embaraçoso para a escritora [MRP] e penoso para os leitores em geral." E é verdade. São tantas as repetições e banalidades escritas pela criatura, que a páginas tantas a coisa torna-se num verdadeiro vómito, para utilizar uma das expressões preferidas de MRP. Felizmente tudo isto é enquadrado por tiradas como "o estilo de Margarida Rebelo Pinto é ainda fértil em intrigantes e medonhos efeitos surrealistas" ou "o que talvez explique a fixação da autora pela espécie canina". É de ir às lágrimas, juro.
Sem nunca acusar MRP de plágio, George chama também a atenção para excertos assombrosamente parecidos com passagens de livros de Saramago ou de Mourão-Ferreira.
E mais: ficando provado que a escritora profissional se auto-plagia incessantemente e que dá erros de português como "a pintora melhor conhecida da minha geração", nomeia os editores e revisores tipográficos co-responsáveis por esta bela merda.

No final, um posfácio com algumas farpas ao meio literário e etc. e tal, mas principalmente com uma explicação sobre a dependência que os escritores têm da crítica - como condição para uma existência de facto.

Uma nota ainda para uma das primeiras conclusões a que conseguimos chegar lendo Couves e Alforrecas: as heroínas de MRP são supostamente mulheres independentes, tão avançadas que até assustam os homens, mas que no final deprimem por não ter marido e filhos.

São 8 eurecos e é obrigatório comprar. Entretanto aconselho uma outra abordagem bem-humorada do caso MRP. Esta é mais antiga, menos exaustiva, mas vai dar ao mesmo. O Adamastor cruza duas crónicas publicadas na Maxim (actual Maxmen). E está tudo lá.

Lamento pequeno-burguês

Não tenho um scanner à mão e tenho pena, porque gostava mesmo de chapar aqui o cartoon de Luís Afonso que sai hoje na Pública. Dois homens de fato, gravata e maleta caminham lado a lado. Diz o primeiro: - Quero que o meu filho seja excelente, ambicioso, com uma forte mentalidade competitiva que o leve a triunfar na sociedade. E tu, o que queres para o teu filho? Responde o segundo: - Quero que ele seja feliz. Na imagem seguinte, vemos o segundo engravatado já de camisa de forças a ser enfiado numa ambulância. Diz o profissional de saúde que o leva para o primeiro engravatado: - Faremos tudo o que pudermos para o curar e para o trazer de volta à realidade..

Sim, quero que as minhas filhas sejam felizes. Não quero que venham a ser umas pobres assalariadas presas a patéticas prestações mensais. A escola das minhas crias está cheia de pequenos aprendizes da estúpida pressão que hoje a sociedade exerce sobre os pais, que acefalamente a exercem sobre os putos. Falo das actividades extra-curriculares em que pais afogam os filhos sem critério nem descanso. Eu não. E já são conhecidos os meus discursos na escola contra este excesso bacoco. Claro que depois as minhas pressionam-me para entrar em todas. Porquê? Porque os amigos vão e elas não. Eu sou implacável. Natação com elas, que é um desporto completo e já chega. Mas ao meu argumento de que não temos que andar a fazer o que os outros fazem, a mais velha já me respondeu que o que mais quer é mesmo fazer o que os outros fazem. Esta parte não preocupa nada: estou absolutamente convencida de que faço bem ao deixá-las ter tempo livre para se poderem coçar às paredes enquanto podem - esta é a melhor actividade extra-curricular que lhes posso oferecer. Tudo o resto sou eu que escolho e não a escola. Irão os outros putos, os que têm a agenda preenchida entre aulas de "little tenis" e outras piroseriras que tal, ao teatro ou a um concerto com os pais? Será que os pais os levam a escorregar num escorrega ou a chafurdar na lama do jardim da Gulbenkian? Será que lhes lêem histórias à noite?

Mas tudo isto me leva a outros considerandos para os quais já não encontro certezas. Peço opinião ao consultório MMAS.

Se por um lado acredito que o importante é ensiná-las a pensar, que o importante é mostrar-lhes o máximo de universos para que possam escolher, por outro lado confesso que de vez em quando me dói cá dentro o facto das minhas opções me terem transformado numa tesa que nunca lhes poderá pagar a educação privilegiada que eu própria tive. Seria hoje quem sou se não tivesse tido acesso a boas escolas e bons bifes do lombo? Se tivesse andado estes últimos anos preocupada em sobreviver?
Agora tenho duas filhas e um enteado no meu próprio lombo e não sendo eu um ser ruminante que aceita ser retalhado e grelhado assim sem mais nem menos, ainda não conseguiram convencer-me a enterrar-me até ao pescoço para comprar uma casa que não quero mesmo comprar. Mas será sensato não ser proprietária de absolutamente nada e correr o risco de deixar as minhas crias com uma mão à frente e outra atrás? Da parte que me toca, foi muito compensador torrar uns milhares de contos que me caíram do céu. Mandei à merda o patronato explorador em vez de comprar uma casa. Mas a fonte secou e não passo hoje de uma tesa de uma assalariada. Não acredito que isto dure para sempre, mas já dura há tempo suficiente para saber que ninguém é verdadeiramente livre sem uns zeros à direita no banco.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

São, pelo menos, 74



Exercise your music muscle

Os Guns and Roses estão à esquerda (o carrinho com rosas e armas) e logo ao lado os Queen e o Prince…

Um tosco em acção

Suas pecadoras!

quarta-feira, 12 de abril de 2006

terça-feira, 11 de abril de 2006

Oh happy days!


Viagens de ida, de volta e de entretanto. Projectos, ideias, vontades que resultam em forma de sofá quieto. Ordens refiladas de ‘não fui eu foi o mano’. Frases repetidas de ‘agora não, só mais um bocadinho’ e ‘já vou’. Pedidos, perdidos, achados, esquecidos por conveniência e adiamentos com juros acrescidos. Arrumações, desarrumações, re-arrumações em ciclo vicioso. Suspiros, risos, gritos, queixas, desculpas, dói-dóis e ‘isso não é nada, já passa’ em dose dupla. Corta, cola, pinta, suja, escreve, apaga, lixo, do lixo, de qualquer coisa que não mexa por vontade própria. Comem e tornam a comer. De cinco em cinco minutos um copo de água, uma bolacha, um rebuçado, uma pastilha.


Férias, férias, férias!
Quem é que disse que se descansa nas férias?

Códigos descodificados

De visita à casa da minha irmã parámos o carro à porta de uma pastelaria. Daquelas que queremos levar para casa um bolo de cada, e mais um ou outro repetido. Parece um exagero mas não é!
“Embrulhe-me esse folar, por favor” – pediu o Pai à senhora do balcão. E não estamos a falar de um folar qualquer. Este leva açúcar amarelo, canela, erva-doce e é regado com mel. Uma bomba, portanto!
A MMãe ficou no carro, a entreter as criancinhas, que já queriam tirar o cinto. “Não vale a pena! Vai ser rápido!” - Convenci-as.
No dormência do calorzinho da Primavera vêm as perguntas. “O que é que o P foi comprar?!” “Um folar, para levarmos para a casa da tia!”
Dei comigo a pensar que tinha aqui uma boa oportunidade para falar de uma ou duas regras de convivência, do ‘viver em sociedade’ e mais as cortesias.
Mas às três e tal da tarde, depois de um big almoço na serra, com as andorinhas a cantar nas árvores, com aquela brisa tão fina e mais os 25 graus que me adormeciam a alma... É dura, esta 'cena' da educação! “Bolas, faz um esforço” - pensava eu – “Diz-lhe que...”
“Hum, que simpático!” – Interrompeu ele os meus pensamentos.
Fez-se silêncio. Acabou-se a luta interna do "explica/não me apetece", do "vá-lá/não estou aqui''
Obrigado!
Antes do cheiro do folar encher por inteiro o nosso móvel, ainda pensei: “Às vezes complicamos mesmo as coisas!”

Santa Apolónia

Santa, Santa Apolónia. Eu cá não sofro com a ventania da Gare do Oriente. Parece que quase 10 anos depois da Expo, vão finalmente construir uns abrigos para os que ali esperam, partem, chegam, deambulam. Porreiro. Mas eu prefiro a estação de Santa Apolónia. Era dali que, logo no primeiro dia de férias, a minha irmã e eu seguíamos para casa dos meus avós. Esperavam-nos os primos, mimos, tempo, atenção, prendas, pequeno-almoço na cama. Em troca, éramos obrigadas a ir à missa. A viagem de ida recordo-a mais ou menos interminável, mas a de regresso era muito pior. Só há pouco tempo electrificaram a linha a partir do Porto, graças a um acontecimento qualquer muito importante que meteu futebol. Depois começaram as viagens com os amigos, pela Europa. Partida de Santa Apolónia. Para não falar daquele memorável Sud-Express, tinha eu 9 anos e estava maravilhada por descobrir que o encosto na parede era afinal um Lego que se transformava em beliche.

Santa Apolónia sempre foi sinal de libertação de uma coisa qualquer. Da rotina (qual rotina?). Ontem fui deixar, mais uma vez, a minha mãe e as minhas filhas à estação do costume. Vão para casa dos bisavós e a MB já sabe que não fica bem adormecer na missa. Chegou sozinha à conclusão de que a bisavó vai à missa "porque gosta de estar muito sossegadinha durante muito tempo a ouvir padres". A história recomeça, agora com a linha electrificada até Braga. E os combóios já nem cheiram mal.

Santa Apolónia é a padroeira dos dentistas. Ou médicos dentistas, como a minha irmã insiste em chamar à sua profissão.

Fotografia de JOSHUA BENOLIEL

sábado, 8 de abril de 2006

Curiosity killed the cat

Acho que algures neste ‘Blog-das-Botas’ deixei a promessa de contar um dia como quase quase me converti ao Paquistão. É hoje.

Era uma vez uma miúda que estava sentada num lancil de passeio na Rua do Diário de Notícias do Bairro Alto, lá para as 2h00 da madrugada, sozinha já não sei bem porquê. Por opção, provavelmente, que às vezes está-se muito bem assim. Veio um tipo cujo nome infelizmente já nem sei dizer qual era, senta-se e começa a puxar a conversa devagarinho. Era simpático. Vinha do Paquistão. Vestia as calças vincadas e a camisa engomada, não tinha nada de especial, mas era simpático e o mundo não discutia terrorismo, Islão, condição da mulher, invasão ou salvação de pátrias, pelo menos como desde há alguma parte. Eu sou curiosa, daquelas que nem com Xanax relaxa. Dei-lhe o número da casa onde morava na Estefânia, em Lisboa, com mais 6 mulheres. Na altura não tinha telemóvel e muito boa gentinha também não. Passados alguns dias ligou-me. Para mim era um tipo que estava no estrangeiro, que conhecia mal Portugal e os portugueses, que teria poucos amigos, vinha de um fio de caxemira distante, e isso parecia-me muito interessante. “Sim, olha podemos almoçar amanhã, aqui perto da Praça do Chile”. Tudo em inglês, que o moço mal agradecia em obrigados. Contei o episódio em conversa de corredor a uma das miúdas que lá lavava também as mãos e os pés à noite no apartamento. Aquilo soou mal, e eu percebi que era notícia de primeira página no jornal boca-a-boca caseirinho, mas passei ao lado. No dia combinado, lá apareceu no largo para irmos ao frango de churrasco, num qualquer restaurante daqueles com sala interior, azulejos de casa de banho paredes acima, e muito barulho de talheres para brindar dores de cabeça. Sentámo-nos, falámos de coisas banais, eu fui puxando pelas perguntas, como sempre, com uma estratégia cuidadosa mas directa, para não quebrar o ramo e cair de cu no chão. “E por que é que saíste do Paquistão?” parecia-me inofensivo. Já tinha uma asa de bicho entre as mãos, quando me disse que era procurado por homicídio e que fazia tráfico de diamantes. Eu continuei chupando os ossinhos, e em segundos, não mais que 3, raciocinei deste modo: Se matou não me vai dizer que matou, se não matou vai-me responder o mesmo. E diamantes? Diamantes de onde e para onde? Penso, logo existo. Continuo, e evito resolver o enigma por uma lógica de verdadeiro e falso. Tautologia ou não, a verdade é que, pouco depois, aquilo já me parecia pouco importante. Abstrai-te, miúda. Abstrai-te que na vida nada é assim tão simples. Saímos do restaurante, despedimo-nos, eu voltei para casa com imensa informação sobre o Paquistão, o Islão, a tradição, a imigração. Voltámos a comer no Chile várias vezes, umas cinco, imagino. E uma por mês, para aí. Na véspera de cada encontro, ou quando alguém lá em casa lhe atendia o telefone, instalava-se o nervoso miudinho. Batiam à porta nunca levemente e sussurravam entre maxilares trôpegos que era O paquistanês. O paquistanês. Aquela malta já tinha medo do homem e eu nem tinha contado metade da história. Bem,… isto já tem uns milhares de caracteres. Vou abreviar. Num dos almoços de convívio, disse-me que precisava de uma fotografia minha para mandar à família, estavam ansiosos, e que tinha já em casa a fatiota, os sapatos, e os adornos para os braços e pescoço. Estava noiva. Ia-me casar, e não sabia. Disse-lhe que estava enganado. Foi uma coisa meio seca, despedi-me cordialmente, pedi que não me ligasse tão cedo. Só o fez vários meses depois para dizer que ia 6 meses para França em trabalho. Saí daquela casa e nunca mais vi este marido que pouco jeito me teria dado. Tudo isto bate errado, bem sei, mas foi mesmo assim que bateu.

sexta-feira, 7 de abril de 2006

Depois conto




















Cruzei-me hoje com uma múmia verdadeira. Aparentava estar viva.

A Picada do Doutor Song

Hérnia. Bem analisado soa melhorzinho que uma ténia. Mas dói. E dói mais ainda se se tiver de carregar com 13 quilos de matéria vivaz, descendente do corpo e ascendente da alma. Obviamente uma filha. Mal-humorada com a minha curvatura H, entro no consultório do Doutor Song, amante de música clássica, com registo de nascimento em caracteres mandarins numa qualquer conservatória de Pequim. Olha para a radiografia no quadro luminoso, explica-me pela primeira vez o que ainda nenhum convencional conseguira pôr em conceitos, e receita-me mãos e picadas com a promessa de uma coluna e pilares novos, século XIV, para aí, que é como quem diz, vai espetar-me com as costas à pancada na adolescência. Eu digo sim. E começo as minhas viagens diárias para a cama eléctrica que me aperta e rebola – diz a assistente ucraniana que serve para esticar -, depois dispo as calcinhas, deito-me numa maca confortável com um buraco para enfiar a cara. Se quiser, posso tentar descobrir os segredos da madeira no chão, adivinhar de onde veio e por que machados passou, mas normalmente penso em tudo menos nas origens do que quer que seja. A porta abre-se, eu só oiço a respiração do doutor, que sempre manda umas bazófias em chinês de Portugal, vejo-lhe os sapatos de cabedal preto, oiço a ópera que escolheu para aquela manhã chuvosa ou solarenga, e começo a sentir-lhe as mãos quentes com os ferros gelados a entrar-me no corpo. São sempre 14 agulhas. A última a penetrar-me vai para os artelhos, palavra que deve vir dos bascos, no mínimo dos mínimos. Ali fico vinte minutos com toalhas a servir de tendas aos pauzinhos metálicos que enviam mensagens musculares ao meu cérebro. Para que aja, para que veja, para que resolva. O cérebro, claro. Eu fico estática. Pergunto-me se não há acupunctura para a psique, já que no dia-a-dia fujo tantas vezes a pôr a cabeça a fazer o mesmo em relação a tantas hérnias emocionais que são próprias de quem está vivo. Ao minuto zero, o relógio chama o Doutor Song aos berros, quem aparece é a ucraniana, tira-me da tortura doce, indolor, recebo uma massagem jeitosa. Hoje quem veio bater a massa foi o Dr. Sim Song, e sem lhe dizer absolutamente nada, por apalpação, dizia-me onde me doía agora, e olhem que era noutro sítio, e quase antes de me doer. O oriente é outro mundo. Sim Song, sinto-me bastante melhor! Sábias chinesices a chibar malabarismos lombares!

PS: O Doutor Song acha que me conhece de algum lado. Deve ser daquela vida no século V a.C. em que fui uma melga e ele um camaleão.

Manhãs dominicais


Para as manhãs chatas de Domingo aconselho o Planetário que faz sessões infantis grátis entre as 10 e as 11:30.
E depois podem soltar as crianças nos jardins da Praça do Império ou Vasco da Gama. Ficam tão cansadas que dormem a tarde inteira...

quinta-feira, 6 de abril de 2006

Agenda MMAS II

Mary Webster é acusada de bruxaria e condenada à morte por enforcamento. A sentença é cumprida e ela lá fica pendurada na árvore, noite fora. Mas quando na manhã seguinte vão recolher o corpo... Mary ainda está viva. Estávamos em 1685 e tudo isto é verdade. Aconteceu nos EUA, durante mais uma patética caça às bruxas. Mary era uma solitária, uma mulher independente e bonita que preferia a companhia dos animais e da natureza. Estranha, portanto. Bruxa, bruxa, bruxa!

"Half-hanged Mary" é um belíssimo poema onde Margaret Attwood conta todo o episódio na primeira pessoa.

Before, I was not a witch. But now I am one.
Having been hanged for something I never said, I can now say anything I can say.
É por isso que gosto de ser julgada. Julguem-me, que eu gosto. Gritem-me ao ouvido o que fazem os outros, os saudáveis. Encostem-me à parede, que eu sou bruxa e atravesso-a. Dêem-me motivos para justificar o meu comportamento. Eu não me importo de ser uma mulher justificada. Mas por favor, não me digam à magnífica criança que é terrível, que não tem juízo, que não tem emenda. Ela vai acreditar no que lhe dizem. E acabará por seguir os passos da bruxa bruxa bruxa mãe.
Maria Ramos vai estar sozinha em palco, no próximo sábado, no CCB, às 19h. Por quatro míseros euros, podem assistir a uma coreografia inspirada no poema de Margaret Attwood. Imprimam o texto, leiam-no, levem-no. E não percam o espectáculo. Querem mais argumentos? Tudo se passa ao som de Nick Cave & the Bad Seeds - Murder Ballads. 7pm/Rumour (loose in the air), na Sala de Ensaio, também conhecida como Blackbox.
Before, I was not a witch. But now I am one.
Having been hanged for something I never said, I can now say anything I can say.
Está tudo lá, na coreografia de Maria Ramos. Podem reservar os bilhetes online.

quarta-feira, 5 de abril de 2006

Café dos Pais Adoptivos


Talvez haja para aí mmás a quem esta informação possa interessar!

Pouca terra, pouca terra

Do fim da linha aparece um grande nariz vermelho. Pouca terra, pouca terra... O seu trovejar é ensurdecedor. Deixei de ouvir a voz do outro lado do telefone móvel, que dizia boa viagem, etecetra e tal. Desliguei e subi para as cavalitas deste bicho que não deixa os carris nem por nada, pelo menos é bom que assim seja. Para descarrilar já basta a nossa vida.
Embarquei em pulgas na viagem até à capital, até às MMÁS, até aos últimos 50 anos de música italiana, em Alfama.
p’ra aí uns 10 que não me sento num banco destes e, sem querer, viajo um pouco mais atrás, aos tempos em fazia a viagem com a minha mãe e irmã, mas no sentido inverso. Os bancos eram de napa castanha. De Verão queimavam-nos o traseiro e no Inverno o frio subia até à alma.
Os tropas já não estão em maioria nos corredores deste Domingo e os que fazem o regresso ao quartel, já não caem podres de bêbedos em cima de quem os apanhar. Elas também já vestem a farda e seguem viagem com os seus cabelos muito bem apanhados, que isto de jurar bandeira não é coisa para fazer de cabelos ao vento.
A minha companheira de viagem regressa aos estudos. Leva na mochila os planos de vida e os apontamentos de um curso da Nova de Lisboa. A da frente exibe na frontpage do portátil as células sanguíneas em viagem até à medula.
Três senhoras dos seus cinquentas bem feitos ainda andam levantadas sem saber se estão na carruagem certa, apesar de já terem entrado nas entranhas do bicho há duas estações.
Atrás de mim segue outra que suspira a novena. Chamou-me a atenção o toque das avé-marias no padre nosso.
Uma estrangeira faz renda, uma brasileira vai de orelha colada ao móvel a dar indicações à colega, que o pintor vai 2ª feira à mansão e que ela depois logo lhe paga.
Um homem, escondido atrás dos seus Ray-Ban mata a cena toda.
O meu farnel de sandes de queijo e Bongo que a minha mãe preparava foi substituído por uma ida à carruagem do restaurante. Pedi uma mista e uma Sagres e lá deixei 600 paus!
A paisagem que desfila do outro lado do vidro não mudou muito. Os porcos pretos continuam a pastar nos campos, as cabras mantêm-se presas aos montes, as ruínas continuam a ser engolidas pelo mato. As ribeiras estão cheias, como noutros tempos.
Os tempos em que os comboios também andavam cheios de “turistas de pé descalço” com mochilas de metro e meio às costas, com púcaros a balouçar junto às chinelas. Eram os okupas das estações. Quando desciam no fim da linha, no começo da Meia Praia, muitos dos turistas já tinham sido “assaltados” por mulheres que entravam sôfregas em Portimão. Pelo menos era assim que os meus olhos de miúda as viam. Neste intervalo de apeadeiros jogava-se rápido. Abordavam os “camones” a arranhar o inglês como podiam e, com sorte, desciam em Lagos com um “bife” atrás delas, pronto para ocupar o quarto, bedroom ou zimber, fonte de riqueza do agregado.
Nessa altura a viagem de comboio começava de barco. Em Lisboa apanhava-se o casco do Barreiro, que somava mais 40 minutos ao percurso. No total, 6 horas e mais uns pózinhos, com mudança em Tunes, para chegar ao barlavento.
Hoje, o Alfa já faz a mesma distância em 2 horas e meia, mas só a partir de Faro.
“Que estação é esta?” – pergunta uma teen que viaja com as amigas. “É Grândola” - responde o dono das sandes, das batatas fritas e dos cafés. Enquanto canta a primeira rima da canção, vende um pacote de Fritos ao rapazinho da crista que traz os Sex Pistols às costas. “São 2 euros e 70” – reclama o senhor já pronto para atender o novo freguês, de pólo azul- bebé, sapato vela de sola rasa e franja pela cara: “Um chá de cidreira, por favor”. E mais duas “tropas” que se esqueceram dos comprimidos para as dores musculares.
Ainda avistei a Pensão “Fim de Mundo”. Faz sentido. Foi aqui, pela vila morena, que a minha avó se libertou deste mundo e foi ao encontro do seu companheiro, para uma segunda vida. Ele morreu numa operação, ela de acidente brutal, numa viagem Algarve/Fátima que ficou pelo caminho. Ficaram separados 6 meses.
Voltei ao meu lugar. Pelo caminho ainda troquei olhares com um gato que espreitava pelas grades. A caixa de transporte servia também de mesa de leitura à dona. O pobre felino levava o peso da Conspiração de Brown na tola.
Chego ao lugar C88. À minha frente mas, na fila do lado, lá está o mesmo rapazito, com pouco mais de 10 anos. Ainda não tirou o nariz dos jogos do telemóvel da mãe ou da consola. Esta, de olhar sonolento, vai-lhe dando daqueles sorrisos de canto de boca, quando este mete conversa. Com sorte, atira-lhe com uma ou outra frase, do género “A mãe vai à casa de banho” ou “Já mudaste a imagem do telefone!”. De meia em meia hora tosse os cigarros que fumou antes de embarcar.
Eu troco SMSs sobre o meeting point. Sigo viagem como se o antes não existisse. Como se não tivesse alguém à espera que eu fizesse a viagem de volta. A voz ainda me segredou a meio do percurso, mas rapidamente a fiz voltar de onde tinha saído. Afinal de contas, estou em pleno exercício de MMÁ, ou será que ele não percebeu?
Depois de 3 horas e meia de viagem, o Inter-Cidades leva-me agora pela Ponte 25 de Abril.
Passo pelas Amoreiras. Lembro-me da loja do pão e da primeira Hussel que conheci. O Casal separou-se do morro, desceu para a Avenida. Deixo as Torres Gémeas alfacinhas do meu lado direito.
“Estou nervoso” - Diz um rapazinho imberbe que seguia no banco de trás. Eu também. Chego ao Oriente. Chego a casa. A sensação é de que nunca saí de Lisboa e que o bilhete não é de ida e volta.
Mas é e, no dia seguinte, volto a entrar nos carris. Ocupo o lugar da janela.
A dormência das poucas horas de sono da última semana embala-me no pouca terra, pouca terra. Não durmo, mas não sigo acordada.
A música dos italianos continua entranhada nos meus ouvidos. Ainda sinto os mimos de uma raposinha muito especial, os ecos da conversa sábia e amiga da MMãe, antes de adormecer, o cheirinho bom dos lençois que me embalaram, o sabor do café com leite que me prepararam. A agradável surpresa que foi conhecer algumas MMÁS.
Foi veloz esta viagem de volta! Foi tudo tão depressa.
À chegada tinha uma comitiva V-I-P à minha espera.
Quando o tema já era o que se faz de jantar, salta a pergunta do banco de trás: “Quando fôr grande e vocês já tiverem morrido posso ir ao Mc Donalds com os meus filhos”?
É bom viajar sem cinto, sem penduras, mas também é bom saber que podemos voltar à rotina. Rotina? Alguém falou em rotina? Que rotina?

terça-feira, 4 de abril de 2006

“Fica Tolinha”

Antes de ser mãe, passei algumas horas, dias, séculos, a ouvir histórias da boca de outras mulheres acerca dos seus meninos e meninas, que cantavam tão bem, que diziam assim o otorrinolaringo, que corriam mais depressa que a maratona, que eram espertos e vivaços, e já isto e aquilo, e ainda mais, e daqui a uma hora idem, e o assunto virava o disco mas tocava o mesmo. Fazia-me confusão que a maternidade deixasse alguém sem capacidade de discernimento. Ora estas gajas até eram tão sãs, e agora não se enxergam? Encontram um indivíduo, ligam o motor, e ali ficam a falar sozinhas, a masturbarem-se numa ideia de prazer que transcende em completo o ouvinte. O mundo morreu-lhes. Estão defuntas de interesses para além dos seus meninos. Dos outros nada querem saber. Uma espécie de autismo.
Sempre que apanhei com este tipo de cassetes e estes leitores de fitas, disse para mim baixinho: Se alguma vez tiver um filho, porra, juro que não contarei estes episódios que não acabam nunca, sem cenas de suspense para o day after, até porque as crianças são todas diferentes, mas fazem todas cocó da mesma maneira – sentadas ou em pé, mais cedo ou mais tarde – importa para mim que sou mãe, mas não faz a mínima diferença para a minha amiga Rita, por exemplo. A palermice das mamãs – deve haver pais iguais, mas nunca me espetaram com uma seca – é que é basicamente igual.
Ora isto quer dizer duas coisas:
1. Que tenho amigas que foram mães mais cedo do que eu e sempre tiveram conta, peso e medida. Todas as pequenas grandes maravilhas dos seus filhos pertencem-lhes, curtiram-nas e partilharam-nas sem cegueira nem monocromia.
2. Que a minha filha anda a surpreender-me gigantemente, e isso pouco vos interessa. Mas aproveito uma daquelas dislexias que nós pais tanto adoramos, para resumir este post: “Fica tolinha”. “Fica tolinha” é o diminutivo de “Fica Tola”, expressão que no dicionário da raposa significa “Fita Cola”, e que no meu entendimento é muito bem esgalhada.
A maternidade é tantas vezes sinónimo de vazio, unilateralidade, obsessão, desinvestimento pessoal, que nos tornamos fitas colas, ou melhor, fica tolinhas!!!

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Agenda MMAS

Lar doce Lar é o mote do III Festival W.A.Y.

Sounds good. Dias 4, 5 e 6 de Abril, no LUX, Lisboa. Deixo o programa das festas:


4 de Abril

21:00, 22:00, 23:00, 24:00, 1:00 Lembranças, de Madalena Victorino (no Parque Estacionamento de Sta. Apolónia)

21:30 Dueto (versão solos), de Filipa Francisco e Idoia Zabaleta

22:30 Caminhando pelo Tempo, de Ainhoa Vidal

23:30 GesamNachtWerk, de André e. Teodósio

Porteira
Performance de Catarina Campino

A Janela / View portraits
Instalação Vídeo de Luciana Fina

Lar Doce Lar
Espectáculo de Mónica Calle

Idealmix (demonstration)
Performance de Javier Núñez Gasco

Imprime!
Performance/ Instalação de Sofia Neuparth

5 de Abril

18:30 Doce e Amargo Lar, Conferência debate com Manuel Graça Dias, Filipa Oliveira e Daniel Tércio

21:00 Mi Casa Su Casa, de Filipe Viegas e André Gonçalves

22:00 Dueto (versão solos), de Filipa Francisco e Idoia Zabaleta

23:00 Tapete Voador (esboço), de Miguel Pereira

Porteira
Performance de Catarina Campino

Ginástica de Rádio
Performance de Kaoru Katayama

Imprime!
Performance / Instalação de Sofia Neuparth

A Janela / View portraits
Instalação Vídeo de Luciana Fina

Lar Doce Lar
Espectáculo de Mónica Calle

Idealmix (demonstration)
Performance de Javier Núñez Gasco

6 de Abril

18:30 Tarde de Poesia Performativa

Casa Escura, de Carla Bolito com os poemas “A Casa” de José Luís Peixoto; “Cadeira” e “Mesa” de Alexandre O’Neill; e “Soneto Superdesenvolvido” de Ruy Belo

O que fui, de Fernanda Lapa com o poema “O que fui” de Vasco Araújo

Leitura de Textos do Livro de Adília Lopes “ O decote da dama de espadas (romance)” por Adília Lopes

21:00 Surf Faces, de Nuno Rebelo e Vítor Rua

22:00 Displaced – para uma proposta praticamente invisível de Yola Pinto

23:00 Nova Criação de Francisco Camacho

Porteira
Performance de Catarina Campino

Idealmix (demonstration)
Performance de Javier Núñez Gasco

Ginástica de Rádio
Performance de Kaoru Katayama

Imprime!
Performance /Instalação de Sofia Neuparth

A Janela/View portraits
Instalação vídeo de Luciana Fina

Lar Doce Lar
Espectáculo de Mónica Calle

Festa de Encerramento pela noite dentro.
Desafiamo-lo a vestir o seu traje mais elegante de trazer por casa e a celebrar connosco o encerramento do III Festival W.A.Y.

Ó holly tic-tac days.


Tenho a casa minimamente ordenada, não há brinquedos, roupas, canetas, papéis, berlindes espalhados por todo o lado e até a gata “xô-saidaqui”anda num passo sossegado.
Acordei por volta das dez, coloquei o dia a andar no ritmo “pára-hoje-não”, aqueci o almoço, bebi café, e estiquei os músculos em tom de espreguiça e rendi-me ao preguiçar a tarde inteira no sofá convidativo.
É, os putos estão de férias, imagino-os a viajar pelos montes-montanhas e valas-vales montados nas bicicletas desliza-à-velocidade-da-luz, a desfazerem a via láctea com estrelitas ‘cerealtintantes’ e a levarem muito a sério a ideia de tomarem conta da ‘terra’ com as suas próprias mãos enquanto caminhos militarizadas mantêm a fila indiana formigante.
Quem diz que a rotina é fatigante?
Eu, aqui, sinto-me podre e nem me apetece pegar naquela caixa de cartão e fazer um castelo de areia.

domingo, 2 de abril de 2006

Anonima Nuvolari


As MMÁs recomendam "uma viagem pelos últimos 50 anos da música italiana": hoje às 18h30, grande happening audio-gastronómico italo-alfâmico no Grupo Desportivo Boa União (Beco das Cruzes, Alfama).
Passaremos por lá! Faz-me lembrar o jogo: Encontra a MMÁ!
:)