domingo, 16 de abril de 2006

Lamento pequeno-burguês

Não tenho um scanner à mão e tenho pena, porque gostava mesmo de chapar aqui o cartoon de Luís Afonso que sai hoje na Pública. Dois homens de fato, gravata e maleta caminham lado a lado. Diz o primeiro: - Quero que o meu filho seja excelente, ambicioso, com uma forte mentalidade competitiva que o leve a triunfar na sociedade. E tu, o que queres para o teu filho? Responde o segundo: - Quero que ele seja feliz. Na imagem seguinte, vemos o segundo engravatado já de camisa de forças a ser enfiado numa ambulância. Diz o profissional de saúde que o leva para o primeiro engravatado: - Faremos tudo o que pudermos para o curar e para o trazer de volta à realidade..

Sim, quero que as minhas filhas sejam felizes. Não quero que venham a ser umas pobres assalariadas presas a patéticas prestações mensais. A escola das minhas crias está cheia de pequenos aprendizes da estúpida pressão que hoje a sociedade exerce sobre os pais, que acefalamente a exercem sobre os putos. Falo das actividades extra-curriculares em que pais afogam os filhos sem critério nem descanso. Eu não. E já são conhecidos os meus discursos na escola contra este excesso bacoco. Claro que depois as minhas pressionam-me para entrar em todas. Porquê? Porque os amigos vão e elas não. Eu sou implacável. Natação com elas, que é um desporto completo e já chega. Mas ao meu argumento de que não temos que andar a fazer o que os outros fazem, a mais velha já me respondeu que o que mais quer é mesmo fazer o que os outros fazem. Esta parte não preocupa nada: estou absolutamente convencida de que faço bem ao deixá-las ter tempo livre para se poderem coçar às paredes enquanto podem - esta é a melhor actividade extra-curricular que lhes posso oferecer. Tudo o resto sou eu que escolho e não a escola. Irão os outros putos, os que têm a agenda preenchida entre aulas de "little tenis" e outras piroseriras que tal, ao teatro ou a um concerto com os pais? Será que os pais os levam a escorregar num escorrega ou a chafurdar na lama do jardim da Gulbenkian? Será que lhes lêem histórias à noite?

Mas tudo isto me leva a outros considerandos para os quais já não encontro certezas. Peço opinião ao consultório MMAS.

Se por um lado acredito que o importante é ensiná-las a pensar, que o importante é mostrar-lhes o máximo de universos para que possam escolher, por outro lado confesso que de vez em quando me dói cá dentro o facto das minhas opções me terem transformado numa tesa que nunca lhes poderá pagar a educação privilegiada que eu própria tive. Seria hoje quem sou se não tivesse tido acesso a boas escolas e bons bifes do lombo? Se tivesse andado estes últimos anos preocupada em sobreviver?
Agora tenho duas filhas e um enteado no meu próprio lombo e não sendo eu um ser ruminante que aceita ser retalhado e grelhado assim sem mais nem menos, ainda não conseguiram convencer-me a enterrar-me até ao pescoço para comprar uma casa que não quero mesmo comprar. Mas será sensato não ser proprietária de absolutamente nada e correr o risco de deixar as minhas crias com uma mão à frente e outra atrás? Da parte que me toca, foi muito compensador torrar uns milhares de contos que me caíram do céu. Mandei à merda o patronato explorador em vez de comprar uma casa. Mas a fonte secou e não passo hoje de uma tesa de uma assalariada. Não acredito que isto dure para sempre, mas já dura há tempo suficiente para saber que ninguém é verdadeiramente livre sem uns zeros à direita no banco.

13 comentários:

péssima disse...

Uns zeros à direita fazem muita diferença, não há dúvida, mas não penso que seja o essencial. O saber pensar, o saber escolher e principalmente o saber desistir e começar de novo parecem-me bem mais importantes. Não sou daquelas mães que acham que basta ensinar os filhos pescar para que eles sejam auto-suficientes, mas se souberem também não lhes faz mal nenhum. O saber pescar faz com que eles desfrutem mais o sabor, apenas isso. Tentei, com o primeiro filho, eliminar, à partida, todas as influências que eu achava negativas, como sejam as armas e os jogos violentos, os brinquedos da moda, essas coisas. Hoje já não faço isso. Aprendi com eles que mais vale assumir as tendências da sociedade e depois ridiculariza-las, com isto espero que eles consigam aceitar tudo o que a sociedade lhes dá e que depois percebam o que é, ou não, bom para eles. Até agora tem resultado.
Eu nunca estudei nos melhores colégios, nem frequentei tudo o que quis, tão pouco tive tudo o que queria ter tido mas garanto-te que tive uma infância deliciosa, e quando chegou a altura de decidir não olhei para trás, peguei nas trouxas e zarpei rumo a Lisboa. E cá estou, sobrevivi, e fico feliz por saber que ainda tenho duas mãos: uma mão à frente e outra atrás.
: )
Não te preocupes muito, dá-lhes a matéria e deixa-as moldarem-na à vontade delas.

Isabel Freire disse...

MM, li o teu post à bocadinho,... depois de desfazer a mala de um fim-de-semana relativamente improvisado, e aqui vinha eu toda contente para dizer qualquer coisa, havia tanta coisa, começando por um 'compreendo muito bem' todas essas dúvidas, mas... a Dona PSSM já disse quase tudo, raios partam. Eu até tinha histórias, exemplos, antípodas figurados, blá blá blá que não acabava mais!
Fico-me então pela relatividade das coisas. Fico-me por 'o que interessa é que estejam de saúde, e nós também', frase que soa tão sopeirinha mas é tão verdade verdadinha e absolutamente sensata.
Às vezes pergunto-me se não devia agarrar na sacola e ir viver para Berlim, para a minha filha ter uma educação de jeito. Depois ponho-me a pensar que iria passar 3/4 da vida dela enfiada no meio do frio, da nuvem, das caras enjoadas, e penso que nem pensar!!!

Mimi disse...

era só um lamento pequeno-burguês, não passa assim tanto pela escola -vocês percebem, não percebem?

péssima disse...

Claro que percebemos, mas sabe sempre bem inventar uma ou outra desculpa...
; )

Maria João Figueira disse...

Estou de regresso de umas férias estupendas com os meus filhos, o meuiu companheiro, um amigo e o filho dele. Somos todos adolescentes durante as férias,uns com a idade real correspondente, os outros om a atitude mental que lhe está associada: a descoberta, o deslumbramento, gostar de andar à chuva, ao sol, na serra, na terra. Sem cheta, "com uma mão atrás e outra à frente" no que diz respeito ao dinheiro, apenas com pouco mais do que o necessário para comprar entradas nos castelos, nos museus, comprar livros, sentar na esplanada a beber um café e a conversar horas a fio, sozinhos ou com alguns amigos com quem havíamos combinado previamente encontrar-nos no caminho.

E nós, bem como os jovens que nos acompanharam, tivemos das melhores férias da nossa vida.

O dinheiro não fez diferença. A atitude sim. Não troco estas férias por nenhum colégio da alemanha nem de nenhum local do mundo. E as mãos andaram sempre abertas e sempre ligadas, nunca à frente ou atrás.


Vou colocar este comentário como texto também na página de que sou colaboradora porqu o mesmo vai dizer muito a muitos dos seus participantes. Para vós desejo que a vida possa oferecer muitas oportunides identicas a esta.

Maria João

Mimi disse...

Pois, mas eu não tenho assim essas certezas. Este tipo de post desencadeia sempre a resposta politicamente correcta, é de esperar.
Eu tb vou de férias e tb gosto de sentir os pés na relva.
Mas a verdade é que enquanto as pessoas andam preocupadas em sobreviver, não têm tempo para a poesia (simbolizando aqui a outra dimensão da vida). Há tempos perguntei a dois intelectuais o que é que era mais importante: a poesia ou o pão. e eles responderam a poesia, claro, porque alimenta o espírito e blá blá blá blá. Como é evidente nunca passaram fomeca, porque depois fiz a mesma pergunta a um padeiro que me disse logo que a poesia não enche a barriga.
A verdade é que se eu pude alimentar o espírito, pensar um bocadinho mais além, foi porque os zeros à direita mo permitiram. E este tipo de dilema, o dilema com que agora me deparo, surge porque não me contento mesmo com a vidinha de classe média - muito feliz nas férias e a suar o ano inteiro para as pagar. Nem gostava de ver as minhas filhas a penar num emprego qualquer para pagar as contas no fim do mês. Quero que sejam felizes, pessoas completas.
Hoje estou mesmo tesa e isso não me traz felicidade nenhuma, por muito que a relva ainda tenha o mesmo cheiro. Nem isso me sossega quanto ao futuro das minhas filhas.
Vocês todas vieram imediatamente com a história da melhor escola. Não é disso de que falo, embora a escola seja realmente importante.
Não pretendo pôr as minhas crias em guetos de meninos bem. O que gostava era de PODER escolher a escola com a liberdade de quem pode escolher e não com a limitação de quem anda a contar tostões.
De qualquer forma, a fórmuula pobrezinha mas limpinha não me convence mesmo nada.

Isabel Freire disse...

Mimi, eu só falei em educação, que é muito muito mais abrangente do que a palavra escola, muito muito mais importante do que ter os filhos no Coração Sagrado, no Manuel Bernades, na Torre ou no Bispo, no Cavalo ou a pé. Nem vou começar a puxar pelo fio da meada, que a coisa é muito muito longa. Educação, e era nisso que pensava quando citei a Alemanha, é mais do que ter uns tostões para isto ou aquilo, é ter condições para ter tudo isso sem precisar ter muitos tostões, esfolarmo-nos a trabalhar, e sermos excepções.
1. Não tenho certeza se foram os zeros que alimentaram o teu espírito e o de tantas outras pessoas bem arejadas que conheço.
2.Tenho desde há algum tempo a convicção de que tempo é dinheiro. Um 'talismã', como dizia outro dia alguém. Sem ele não há poesia, nem pão que a ame e amasse. Um dia de cada vez, não quero ficar maluca, e já estive lá perto. Não é saudável nem para mim nem para ninguém perto de mim. Objectivos a prazos mais curtos. Um filho não é um empréstimo a 40 anos. Já lá vamos!
3. Gosto de casas em segunda mão.
4. Quero que a minha filha tenha uma boa professora quando for para a escola e se não tiver, vou inventar outra. Ai isso vou!!!
5. Entretanto continuo a inventar trabalho, dinheiro, tempo, e poesia para o dia-a-dia!

Mimi disse...

VW - o meu lamento pequeno-burgês não vem do nada. Das casas em segunda mão que tenho andado à procura para comprar, nenhuma está ao meu alcance. Recuso-me a comprar seja o que for que me deixe numa situação de total asfixia financeira. Já somos muitos, somos 5 - não cabemos num T0 e não me apetece virar suburbana. Sou lisboeta e as minhas filhas também.
Num destes fim-de-semana surgiu-me a autorização para o plano B. Vou procurar prédios para recuperar, em Lisboa. Conheço quem queira recuperar prédios e que me promete vender um apartamento a preço justo.
Mas, e há sempre um mas, a questão é: se eu tivesse comprado o tal T0 quando ainda não tinha grandes contas para pagar, hoje estaria mais à vontade para fazer aquele truque do costume que é vender uma casa para comprar outra.
E lá está: devo manter o estilo de vida ou garantir uma vida mais ou menos descansada aos meus? Não espero que me dêem respostas e muito menos receitas de felicidade. Mas este é realmente um dilema que me tem vindo a atormentar. Cada vez mais.

péssima disse...

Eu comprei uma, já lá vão fazer cinco anos, isto quer dizer que a partir de agora todo e qualquer problema de construção que eu não tenha reclamado no prazo devido é da minha inteira responsabilidade. Há dois anos decidi vender a casa para realizar algum capital. Erro meu. Aluguei uma casa daquelas fantásticas com sete assoalhadas toda remodelada, numa zona óptima, e como o mercado só admite compras muito caras ou muito baratas, esta minha casa esteve um ano paradinha. Conclusão: fiquei cheia de pena por ter de optar para voltar para esta (a outra era realmente muito boa, mas não dava para estar a sustentar duas rendas, nenhuma delas tão acessível quanto isso) e passei uns mesitos com uma sensação de lapso existencial. O voltar é sempre muito chato, eu acho. Garanto-te que se esta não fosse comprada não teria voltado para aqui. Mas pronto, agarro-me à ideia que a escola dos putos é ali ao virar da esquina e que eles se divertem muito mais ali no jardim interior, que o mar é bonito de se ver, mesmo que ao longe, e que o cheiro a maresia chega sempre que há ventos do sul.
Hoje, se pudesse, teria mantido uma casa alugada e feito um bom seguro de vida.
E para responder à questão das escolas e educação:
– se eu tivesse muito dinheiro os meus filhos estariam num bom colégio interno, eu desfazia-me de tudo, mas mesmo tudo, alugava uma daquelas carrinhas caracóis que se podem largar em qualquer lugar do planeta e partia sozinha. Me, myself and I.

Isabel Freire disse...

MM, eu percebo bem o dilema. Nós vivemos num T1, apesar de sermos 3. A sala, de 18 metros quadrados, é quarto, escritório, sala de estar e jantar. Bem sei que parece assustador, assim contado publicamente, mas a verdade é que optámos por dar o quarto à mais pequena. Resultado, festas de aniversário cá em casa são no mínimo bizarras, e os amigos/família que nos visitam podem sempre optar pelo sofá e o biombo... mais intimidade é difícil.
A lógica foi e é não ter a corda ao pescoço, mesmo que se tenha uma densidade populacional densa, de facto! Porque não tenho rendimentos fixos nem emprego. Não percebo como é que muitas famílias sobrevivem neste país. Nós temos a sorte de ter um avô e uma avó maravilhosos que nos ajudam quando a coisa funciona mal, que nos ajudaram quando o salário chegava tarde e más horas, que nos ajudam quando os pagamentos e colaborações vêm 3 meses depois ou escasseiam simplesmente.
... fuck,... às vezes tenho vontade de me fazer à estrada, também, mas not alone, confesso!
Ainda assim, os bons amigos e a boa família, nunca deixaram de aparecer, acampar cá em casa, e gostar de umas noites "na cama com..." - uma espécie de festa do pijama, sem limite de idade.
:)

Mimi disse...

Agora é que estamos mesmo em sintonia, VW - é que este meio termo em que me encontro não é nada. Ou bem que podia escolher livremente (e isso não depende da Constituição mas dos zeros à direita) ou bem que me faço à estrada. Estou mesmo cansada desta vidinha da treta. Estou farta de ser assaltada para ir ver um espectáculo ou para jantar fora - a cidade e o que ela nos oferece é uma ilusão. Uma noite de copos sai estupidamente cara. Tudo anda à volta do vil metal. Fartinha, fartinha.

Anónimo disse...

Olá mimi,
Tenho acompanhado as tuas "sugestões" no blog da P&F.
Não posso comentar lá porque o servidor delas não reconhece o meu.
Conhecia a revista, mas apesar de a achar seca e fria, era a única do género que comprava. Quando descobri o blog, foi a grande desilusão, pois não é de agora esta atitude prepotente perante leitores que fazem críticas não lhes merecerem importância, sem perceberem que quando se faz uma crítica é estar a dar-lhes a importância de um "gosto, mas pode ser melhor".
Já agora, fui eu a mãe que teve problemas na amamentação. Depois de ler a minha carta publicada pareceu-me, talvez, excessivamente agressiva. Mas a essência do que sinto e senti está lá. E a atitude lelas, não foi concerteza a melhor.

Mimi disse...

Pois... bizarro, não?

Se a tua carta me ficou na memória foi pela agressividade da resposta e não pelo teu tom. Imaginei que te tivesses sentido defraudada, que tivesse havido uma quebra de confiança leitor/ revista.
Além disso, tinhas razão. Por a minha mãe ter tido graves problemas com a amamentação, sempre achei estranho que não se referissem esses problemas (e já agora soluções) nos artigos sobre o assunto. Um artigo bem escrito traz sempre o reverso da medalha.
Se eu consegui dar de mamar sem problemas, foi graças aos horrores que sofreu a minha mãe. Fui avisada e procurei soluções. Correu bem :).