domingo, 16 de abril de 2006

Obrigatório Comprar

Ainda sem crianças, saí do emprego (esquecendo rapidamente a minha triste condição de assalariada) e fui directa a uma livraria com a firme ideia de queimar uns tostões em dois livros: Quando a Mãe Grita, cuja deliciosa descrição tinha lido no Actual do Expresso; e Contos Fantásticos, que fiquei com vontade de comprar depois de ouvir a música de Tinoco no S. Luiz. Diga-se de passagem que um título de Terry Jones já cá cantava em casa - Novos Contos de Fadas. Um bocadinho esventrado pelas diabólicas mãos das duas criancinhas, mas ainda legível.

A livraria não tinha nenhum destes livros (what else is new?). Mas em cima do balcão, com grande destaque, estavam outros três, muito bem alinhados: Couves & Alforrecas - Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto e Não é Fácil Dizer Bem - Críticas, Obsessões e Outras Ficções, ambos de João Pedro George; e o novo da Margarida Rebelo Pinto. Comecei a folhear o primeiro. Depois de dar duas ou três boas gargalhadas, procurei o preço: pouco mais do que 8 eurecos.

Folheei o segundo, já mais carote, ainda assim com um preço aceitável. O índice conquista-me logo. Depois abro uma página ao calhas e confirmo o sentido de humor e acutilância.

Ainda quis dar uma vista d'olhos num livro infantil sobre Mozart, mas este vinha com preservativo e os dois empregados impediram-me de o abrir "porque traz um CD". Ironia esta, a de não podermos confirmar o conteúdo de um livro "porque traz um CD". Adiante. Não folheio, não compro.

Resolvo levar o primeiro, Couves e Alforrecas, porque o tipo merece. E também porque me lembro de ter lido uma espécie de apelo de Valter Hugo Mãe para que ajudássemos a nova editora Objecto Cardíaco. O segundo, da Tinta da China, já vai por gula.

Logo a abrir Couves e Alforrecas, George deixa um aviso: "o texto que se segue é embaraçoso para a escritora [MRP] e penoso para os leitores em geral." E é verdade. São tantas as repetições e banalidades escritas pela criatura, que a páginas tantas a coisa torna-se num verdadeiro vómito, para utilizar uma das expressões preferidas de MRP. Felizmente tudo isto é enquadrado por tiradas como "o estilo de Margarida Rebelo Pinto é ainda fértil em intrigantes e medonhos efeitos surrealistas" ou "o que talvez explique a fixação da autora pela espécie canina". É de ir às lágrimas, juro.
Sem nunca acusar MRP de plágio, George chama também a atenção para excertos assombrosamente parecidos com passagens de livros de Saramago ou de Mourão-Ferreira.
E mais: ficando provado que a escritora profissional se auto-plagia incessantemente e que dá erros de português como "a pintora melhor conhecida da minha geração", nomeia os editores e revisores tipográficos co-responsáveis por esta bela merda.

No final, um posfácio com algumas farpas ao meio literário e etc. e tal, mas principalmente com uma explicação sobre a dependência que os escritores têm da crítica - como condição para uma existência de facto.

Uma nota ainda para uma das primeiras conclusões a que conseguimos chegar lendo Couves e Alforrecas: as heroínas de MRP são supostamente mulheres independentes, tão avançadas que até assustam os homens, mas que no final deprimem por não ter marido e filhos.

São 8 eurecos e é obrigatório comprar. Entretanto aconselho uma outra abordagem bem-humorada do caso MRP. Esta é mais antiga, menos exaustiva, mas vai dar ao mesmo. O Adamastor cruza duas crónicas publicadas na Maxim (actual Maxmen). E está tudo lá.

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