sábado, 8 de abril de 2006

Curiosity killed the cat

Acho que algures neste ‘Blog-das-Botas’ deixei a promessa de contar um dia como quase quase me converti ao Paquistão. É hoje.

Era uma vez uma miúda que estava sentada num lancil de passeio na Rua do Diário de Notícias do Bairro Alto, lá para as 2h00 da madrugada, sozinha já não sei bem porquê. Por opção, provavelmente, que às vezes está-se muito bem assim. Veio um tipo cujo nome infelizmente já nem sei dizer qual era, senta-se e começa a puxar a conversa devagarinho. Era simpático. Vinha do Paquistão. Vestia as calças vincadas e a camisa engomada, não tinha nada de especial, mas era simpático e o mundo não discutia terrorismo, Islão, condição da mulher, invasão ou salvação de pátrias, pelo menos como desde há alguma parte. Eu sou curiosa, daquelas que nem com Xanax relaxa. Dei-lhe o número da casa onde morava na Estefânia, em Lisboa, com mais 6 mulheres. Na altura não tinha telemóvel e muito boa gentinha também não. Passados alguns dias ligou-me. Para mim era um tipo que estava no estrangeiro, que conhecia mal Portugal e os portugueses, que teria poucos amigos, vinha de um fio de caxemira distante, e isso parecia-me muito interessante. “Sim, olha podemos almoçar amanhã, aqui perto da Praça do Chile”. Tudo em inglês, que o moço mal agradecia em obrigados. Contei o episódio em conversa de corredor a uma das miúdas que lá lavava também as mãos e os pés à noite no apartamento. Aquilo soou mal, e eu percebi que era notícia de primeira página no jornal boca-a-boca caseirinho, mas passei ao lado. No dia combinado, lá apareceu no largo para irmos ao frango de churrasco, num qualquer restaurante daqueles com sala interior, azulejos de casa de banho paredes acima, e muito barulho de talheres para brindar dores de cabeça. Sentámo-nos, falámos de coisas banais, eu fui puxando pelas perguntas, como sempre, com uma estratégia cuidadosa mas directa, para não quebrar o ramo e cair de cu no chão. “E por que é que saíste do Paquistão?” parecia-me inofensivo. Já tinha uma asa de bicho entre as mãos, quando me disse que era procurado por homicídio e que fazia tráfico de diamantes. Eu continuei chupando os ossinhos, e em segundos, não mais que 3, raciocinei deste modo: Se matou não me vai dizer que matou, se não matou vai-me responder o mesmo. E diamantes? Diamantes de onde e para onde? Penso, logo existo. Continuo, e evito resolver o enigma por uma lógica de verdadeiro e falso. Tautologia ou não, a verdade é que, pouco depois, aquilo já me parecia pouco importante. Abstrai-te, miúda. Abstrai-te que na vida nada é assim tão simples. Saímos do restaurante, despedimo-nos, eu voltei para casa com imensa informação sobre o Paquistão, o Islão, a tradição, a imigração. Voltámos a comer no Chile várias vezes, umas cinco, imagino. E uma por mês, para aí. Na véspera de cada encontro, ou quando alguém lá em casa lhe atendia o telefone, instalava-se o nervoso miudinho. Batiam à porta nunca levemente e sussurravam entre maxilares trôpegos que era O paquistanês. O paquistanês. Aquela malta já tinha medo do homem e eu nem tinha contado metade da história. Bem,… isto já tem uns milhares de caracteres. Vou abreviar. Num dos almoços de convívio, disse-me que precisava de uma fotografia minha para mandar à família, estavam ansiosos, e que tinha já em casa a fatiota, os sapatos, e os adornos para os braços e pescoço. Estava noiva. Ia-me casar, e não sabia. Disse-lhe que estava enganado. Foi uma coisa meio seca, despedi-me cordialmente, pedi que não me ligasse tão cedo. Só o fez vários meses depois para dizer que ia 6 meses para França em trabalho. Saí daquela casa e nunca mais vi este marido que pouco jeito me teria dado. Tudo isto bate errado, bem sei, mas foi mesmo assim que bateu.

9 comentários:

péssima disse...

ehehehe
só mesmo tu!!!

resposta ao chat dos refrescos chatos: naaa já estou à beira Tejo. Aqui o ar não cheira a navalhas afiadas. Cheira a relva cortada com salpicos de mar.

Lá estarei, com o meu piolho.

Anónimo disse...

Pois que me parece quase justo.
Foi decidido e pronto.
Ao menos ainda chegas-te a ser informada antes! Nada mal!!
Parece-me que segundo esse principio muitos/as não teram direito a tanto.
Tornam-se e pronto. São. Ou passam a ser.
O que não era assunto passa a facto.
Tantos assuntos que poderiam passar a factos e tantos factos que nem chegam a assunto.... que no meio de tudo isso o teu rápido noivado foi uma especie de privilégio, não?!

Não teres conhecido o senhor rapto tambem foi uma sorte. Ás vezes é solicitado para ... dar a ver ideias menos claras!!! persuasão pura. de poucos porques como a gente gosta ... ou mais ou menos.

Agrada me que assim não tenha sido.

A quantos mais compromissos sobreviveras tu?

Tem sempre de ter noivado??

É que eu conheço uma malta ... estes são so zimbabué ... e tambem gostam de conversar?
(zz zz)

Crenças não institucionais tambem são aceites como candidatas? é que ... deixa lá ver ... eu conhecia alguém ...

Caiê disse...

Parece-me que o senhor até foi muito correcto, vê lá bem... ;) Podia ter-te convidado para ir à terra dele, tu ias, pensando na bela da viagem aventureira enquanto ele pensava no belo do casamento, sobre o qual não tinha nada de te dizer, claro está (cada qual segue a sua tradição, que a educação lhe incorporou, sem darmos por isso...).
Depois, ficavas atadinha de mãos e pés, porque em Roma há que seguir a lei romana, e verdade seja dita,palpita-me que, pés postos lá, não terias muitos direitos!
Tiveste muita sorte com o que te saiu na rifa! eh eh eh! ;)

Isabel Freire disse...

Em Berlim, num bar onde costumava ir havia sempre um casalinho muito pouco convencional, apaixonadíssimo, a bebericar cervejinhas noite dentro. Ele podia ser paquistanês, europeu não parecia pelo menos. Ela era uma alemã de óculos grossos, corpo pujante, com força para servir canecadas na festa da cerveja. Soube entretanto pelos mexericos habituais que tinham feito um casamento de conveniência, daqueles que garantem um visto de residência a alguém e uns trocos ao outro, mas entretanto a coisa deu para o torto, ou seja, para o direito. Viviam in loved e muito contentes. :?
Quantos casamentos que deviam dar para o direito não dão para o torto? Apesar disso, ainda bem que não conheci o senhor rapto, de facto. Ainda bem que não fiz uma viagem ao Paquistão, que alucinação! Quanto a sobreviver a compromissos... bem... acho que ainda vou aguentar mais alguns, se a minha coluna não vergar e a terapia do Dr. Song funcionar. Mas Zimbabué não está nos meus horizontes. E crenças não institucionais é um horizonte tão largo tão largo, que a minha capacidade de representação só consegue é divagar.
:)

Célia disse...

Quase tão boa como esta é a da minha amiga indu a quem os pais arranjaram um vendedor de tapetes, com o dobro da idade dela! A ideia que tenho é que o susto foi tão grande que passados mais de 10 anos continua solteira!

Isabel Freire disse...

... um tapete voador para o celibato
:)

Célia disse...

E ainda com hipotese de conhecer os 40 ladrões...

Isabel Freire disse...

eheheh
só vantagens...
:)

péssima disse...

Hummm!!!!
Essa coisa dos 40 ladrões agrada-me.

Tapetes... agora só os da sala, não voam e são chatos de limpar.