segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Are you talking to me?



Are you talking to me? Aquela imagem do De Niro em frente ao espelho ficou-me cravada à primeira. Depois descobri porquê. É que a cena repete-se vezes sem conta na vida real.

Voltei a vê-la esta sexta-feira, na ocasião mais insuspeita do mundo: na aula de ballet das minhas filhas!

OK, eu explico. Mudei de casa e, por arrasto, as crianças mudaram de escola de ballet. Estão há já mais de um mês numa associação desportiva mesmo ao lado da nossa casa. Normalmente é o pai que as leva. Ou seja, entrega-as e vai buscá-las. Desta vez fui eu e pedi para assistir à aula. Eu própria fiz ballet e queria controlar (é mesmo essa a palavra, controlar) a técnica da professora. Ela lá acedeu, depois de uma tentativa falhada para me convencer que faria uma apresentação para os pais.

Sentei-me e fiquei a observar as 12 miúdas, umas mais cor-de-rosa do que outras. Reparei imediatamente na cumplicidade de um grupinho alargado - eram as miúdas do bairro, obviamente amigas desde o berço. Ar de rufias e com a histeria própria da idade. De fora do grupo ficavam apenas as minhas filhas, uma aluna nova e uma outra linda de morrer. Cabelo preto, olhos claros, pele muito branca, cara de boneca.

A aula estava a correr bem - a professora insistia muito na postura ("barrigas para dentro, costas direitas"), coisa em que insisto eu também. Às tantas, propõe um exercício em frente ao espelho. E enquanto está a colocar as alunas de forma a que todas se vejam, reparo numa desinquietante cena. Na primeira fila, a rufia-mor provoca a cara de boneca. "Estás olhar para mim? Estou a falar contigo! Estás a olhar para mim?". O tom era cada vez mais agressivo. A cara de boneca estava com o olhar vidrado, sem se mexer, sem responder à provocação, tentando olhar para sítio nenhum. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. A cena acabou com o regresso da professora à primeira fila.

Fiquei realmente parva com aquilo. Estava eu preocupada com a competência da professora e afinal o perigo escondia-se noutro lado. Quem diria que aquela nuvem cor-de-rosa albergava um bando de miúdas maldosas? Durante o resto da aula, a Jessica (assim se chama a chefe do bando) foi ameaçada umas 10 vezes pela professora: "olha que desta vez estou a falar a sério, Jessica! É hoje que te ponho na rua!". Incrível! Numa aula de ballet? Extraordinário!

No final, comentei o caso com a professora, que se desculpou dizendo que as miúdas se estavam a exibir porque havia uma mãe a assistir. Insisti: a tal Jessica esteve a aula inteira a gozar e maltratar a pobre da cara de boneca. E as outras a funcionar como coro. Atenção, pedi.

Cá fora estava o pai da cara de boneca à espera. Sorridente, bem vestido, bom aspecto, sotaque francês. Ignorava em absoluto o que se tinha passado lá dentro. Senti-me mal. O pai a pensar que estava a oferecer aulas de ballet à filha, quando na verdade lhe estava oferecer 3/4 de hora de bullying. Então sorri muito à miúda, apresentei-lhe as minhas filhas, disse-lhe que era muito bonita e que dançava muito bem. Ela sorriu, de sorriso aberto. Ufff! Alívio. As minhas filhas ajudaram e começaram a falar com ela. Já vestidas, despediram-se como se fossem grandes amigas. Fiquei com a esperança de que ali se estivesse a formar novo grupo que conseguisse combater o ódio do grupinho já formado onde intrusas são mal recebidas.

Num plano paralelo, a professora dizia à avó de Jessica: "olhe que ela voltou a portar-se muito mal". Como resposta recebeu um risinho da avó e um "a minha Jessica é uma malandra".

A caminho de casa, insidiosamente, insisti que a Luísa (era esse o nome da cara de boneca) era linda, linda e que dançava muito bem, e que a Jessica era muito chata e pirosa, não fossem as minhas filhas querer juntar-se ao bando de malfeitoras cor-de-rosa.

Estou a ficar sentimental, ou hippie, ou qualquer coisa do género. De repente acredito que o ódio se combate com amor.

6 comentários:

Isabel Freire disse...

Pois acho que é mesmo por aí!
:)

mãe disse...

O ódio combate-se com amor, sim... mas às vezes cansa, muito.

Mimi disse...

Esta sexta-feira até tremi quando as deixei lá no ballet. Mas depois de um discreto interrogatório, parece-me que correu tudo bem. Espero eu.

Anónimo disse...

e viva a santa loucura!

Leonoreta disse...

E combate-se de outra forma?

Mimi disse...

eu ainda ando a aprender, Leonoreta...