quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Eu assumo, tenho um fantasma.

A maior parte das vezes reagimos ao mundo infantil, repleto de fantasias, descobertas e originalidades, de forma preconceituosa. No caminho para adultos, esquecemo-nos dos nossos amigos invisíveis com os quais brincávamos entusiasmados. Que pena. Agora, se arranjamos um fantasma com quem mantemos conversas mentais, o sentimentos que afloram são imediatos, culpa e vergonha. Durante o crescer colocamo-nos regras, e reprogramamo-nos na falsa tranquilidade do saber, ou pensar que se sabe. Limitamos a nossa visão à própria vivência. E quando a criança brinca com as tampas dos tachos, em vez do último modelo de um qualquer brinquedo caríssimo cheio de efeitos fantásticos, não percebemos. Reclamamos imediatamente: que desperdício, que desarrumação, que mania de espalhar tudo pela casa, que trabalheira a lavar e arrumar as tampas, que barulheira, que desinteresse…
E se não podemos abrir a caixa dos cereais, entretanto vazia, porque lá dentro está preso o maior dragão que existiu à face deste planeta, temos vulgarmente a tendência de querermos ser esclarecedores, explicando de forma simples que já não existem dragões. Chegamos até a ser mais arrojados ao dizermos que nunca existiram. Está assim criada a desculpa de nos termos desfeito da caixa fantástica na qual tropeçámos no caminho para a cozinha. Que pena.
Pois eu assumo que ainda tenho fantasmas. Mais, assumo que acredito no Pai Natal. Mais ainda, cultivo vivamente o ritual de fazer aparecer, como que por magia, as prendas ao redor da árvore decorada pelos meus filhos. E este ano não me posso esquecer de embrulhar meia dúzia de tampas e uma dúzia de molas da roupa.

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