segunda-feira, 26 de dezembro de 2005

“É sempre o mesmo homem”

É natural de S. Tomé e Príncipe, tem 35 anos, cinco filhos, e vive em Portugal há mais de uma década.

-Que idade tem o teu filho mais velho?
-18 e o mais novo tem 9.

- És casada?
- Não, solteira.

- Nunca casaste?
- Não, não quero, gosto só de viver junta.

-Porquê?
- Casando ou não casando é a mesma coisa. Quando portam-se bem e amam um ao outro é um bom casamento também.

- Em S. Tomé as miúdas começam a ter filhos com que idade?
- 12, 11 anos, por aí,...

- Como é que foi contigo?
- Por amor, foi! Queria ter o filho.

- E fala-se sobre sexo na família?
- Não, em S. Tomé não.

- Tu falas com os teus filhos?
- Olha, eu com os meus filhos não falo, mas elas falam comigo. Fazem-me perguntas.

- O que é que perguntam?
- Tudo.

- Tens miúdas novas?
- Uma com 13.

- Não tens medo que lhe aconteça o mesmo?
- Não. Elas estudam na escola, dão matéria disto. Agora elas sabem tudo, propriamente mais do que nós que já temos montes de filhos. A minha filha começa a dar-me explicação de isso e isso. Elas falam-me de tudo.

- Sabes o que é a sida?
- Eu não sei, mas já ouvi falar.

- Tens preocupações em usar preservativo?
- Não, nem por isso. Só vivi com o meu marido, não sei nada disso. É sempre o mesmo homem, é por isso. Eu não vivo com ele. Ele arranjou outra mulher. ‘Tou sozinha com as minhas crianças, mas ele vem a casa ver os filhos.

- E não queres outro namorado?
- Não, não quero.

- Porquê?
- Não, só o meu marido já me chegou.

- Não ficas muito sozinha?
- Não, ele vem a casa sempre que quiser, vem a casa...

- Mas vocês têm relações?
- Não, convivemos normalmente.

- Como se fossem marido e mulher?
- Sim, ele nunca me deixou, eu é que reparti assim até ele tomar um pouco de juízo. Mas depois pode voltar a casa. Tem outra mulher, tivemos assim um pouquinho de confusão. Ele não queria ir, eu é que disse a ele para ir.

- Tens esperança que volte para ti?
- Tenho, tenho muita fé.

- E tens paciência para esperar?
- Ah, muita paciência. São 21 anos e tal a viver juntos.

- E não tens ciúmes?
- Não tenho, por acaso não tenho.

-E em S. Tomé?
- Olha, em S. Tomé o meu marido teve outras mulheres, e eu nunca vivi isso aí. Nós convivemos muito bem. Não teve problema nenhum.

- Mas tu sabias que ele tinha outras mulheres?
- Ele falava comigo. Nunca me escondeu nada.

- E tu não te importavas?
- Não, por acaso não.

- E se tu tivesses outros homens?
- Ah, isso tenho a certeza que ele se importava [ri-se]. Eles podem, a gente não.

- A geração das tuas filhas vai mudar isso?
- Não sei, depende delas. Conforme eu aturei o meu marido, tenho a certeza que elas não aturam isso. Não têm a paciência que eu tenho. Elas não toleram o que eu tolero, eu aguento tudo.

- Que futuro queres dar aos teus filhos?
- O que eles escolherem ‘tá bom.


- Como é que é S. Tomé?
- É uma terra linda, é um país pequeno mas é muito bom.

6 comentários:

Isabel Freire disse...

WW,
: ) pura coincidência. Lembrei-me da conversa com esta mulher por causa de um mail que recebi outro dia. Uma mulher preocupada com o futuro da filha. Depois lembrei-me do que uma amiga com mais de 70 anos me disse há tempos: “É muito difícil não desejarmos/anteciparmos coisas para a vida dos nossos filhos, é um exercício duro mas importante”.

A visão desta são-tomense sobre o futuro dos filhos parecem-me de assinalar. Acho que é uma visionária!

Eu não me importava que a raposa fosse mecânica! eheheheh

Anónimo disse...

incrivelmente, foi mesmo a frase sobre o futuro dos filhos, a que mais me marcou, ao ler a conversa. o resto, fez-me apnas reforçar a convicção de que, além de aceitarmos o futuro dos filhos, devemos ser capazes de aceitar o presente dos outros. aprendi isto há pouco tempo... que nao devemos substimar os outros em relação às suas próprias vidas, pormuito que achemos que eles estariam melhor se seguissem os nossos conselhos. foi dificil, mas aprendi!

meio caminho andado para aceitar a minha mãe como ela é - nem sempre tarefa fácil - e para aceitar o futuro dos meus filhos, quando os tiver, certo? ;)

Isabel Freire disse...

I guess so...
Mas ambas as coisas não são pêra doce, ai não!
:/

Isabel Freire disse...

Eu lembro-me de ir ao mercado de manhã bem cedo ver os peixes a escorrer sangue da guelra, fotografá-los e pensar: Quem me dera ser peixeira! Acho que tinha uns 15 anos ou coisa parecida. Confesso que ainda hoje me encantam aquelas botas de borracha, os aventais cheios de escamas, o cheiro a mar. Acho que em breve optarei por uma vida mais perto do oceano! Dar razão à tua mãe... deixar o meu coração mais ao largo... e marear a raposa!
bjs e saudadinhas com sardinhas!

Anónimo disse...

A simplicidade com que se consegue encarar a vida ... que inveja! :o)

péssima disse...

Ai, eu em tempos quis ser condutora de ralis. Hoje sou-o na playstation (raízes, raízes!).

É, de facto muito difícil não nos controlarmos na antecipação de futuros desejados para os nossos catraios e catraias. Eu continuo a crer que quantas mais oportunidades der aos meus filhos, através de pequenos exercícios que podem durar entre um a dois anos (por vezes menos, por vezes mais) mais facilidade eles terão em ser felizes com o que escolherem ser.
Não ter um curso superior foi um drama para os meus pais, abandonei a promissora carreira de química, médica ou matemática, num impulso desesperado de acabar com a vida que tinha. Esses mesmos meus pais, desgostosos mas cheios de coragem, com muitos sacrifícios apoiaram a minha decisão. Hoje faço o que gosto (apesar de só ser condutora de estrada citadina), sou feliz e a eles o devo. Espero que um dia, confrontada com uma situação semelhante, consiga lembrar-me disto.