domingo, 21 de maio de 2006

Dois artigos...

...a ler no Diário de Notícias de hoje.

Um, sobre a himenoplastia. Do muito que há a destacar neste texto que ocupa duas páginas do jornal, retenho a entrevista de Sónia Morais Santos à psicóloga Gabriela Moita e uma caixa sobre rejuvenescimento vaginal. Vamos por partes.

DN: O que é perturbador nesta obsessão de um homem pela virgindade da mulher é que manifesta um desejo de domínio, não só do seu presente e do seu futuro, mas também do seu passado...
GM: A questão do passado é muito interessante. Porque há situações em que estes homens dizem que o passado das mulheres não tem importância nenhuma, até porque eles são pessoas inteligentes e percebem que o passado é inalterável, mas a partir de determinada altura o passado torna-se um pesadelo. As relações são invadidas pelo passado, que fica a pairar como um fantasma, e a vivência dessas relações torna-se extremamente penosa.

Eu, Mimi, mulher emancipada (seja lá o que isso for) e amante do sexo, me confesso. Sempre gostei de sexo. O que nunca me passou pela cabeça é que alguém nascido nos anos 70 pudesse vir a sofrer por causa do seu passado sexual. Nunca me passou pela cabeça que homem algum alguma vez usasse o meu passado como arma de arremesso. Eu, Mimi, digo publicamente neste blog que, à mínima crise conjugal, o meu passado é utilizado para delirantes acusações de adultério. Isto significa, na prática, que se me atrevo a ficar a beber umas cervejas com um companheiro de trabalho em vez de ir a correr para casa, isso é visto como uma traição certa. E que não me adianta jurar 20 vezes que não, que foram só umas cervejas, ou até mostrar-me incomodada com a frequência das acusações. Isto significa que qualquer amigo homem é perigoso, "muito sexual" (sic), potencial fonte de desvio para cama alheia. Reparem na preversidade da coisa: se fico a beber umas cervejas sou acusada ad nauseum, logo o melhor é não beber cerveja nenhuma. Se o meu amigo homem me traz problemas, o melhor é não sair mais com ele. E mais: o acusador não percebe que incomoda. E eu, que abomino o papel de vítima, sou de facto vítima. Não do meu passado, mas de uma patologia social. Senão, vejamos:

DN: Não estamos já no domínio do patológico?
GM: (risos) Estamos a falar de uma patologia social. O peso da masculinidade existe, é uma realidade da nossa cultura. Ser homem também é isto. Quem não conseguiu libertar-se desse cânone tem estas características, funciona assim.

Não, não fui nenhuma santa. Mas como bem diz Sérgio Godinho, o passado é um país distante. Viver o presente, construindo assim o futuro, parece-me uma óptima ideia. Para que é que se massacra o próximo com os fantasmas do passado?

E para que este post não seja a depressão total, aqui fica um dado, como é que hei-de dizer, interessante, pronto, retirado da caixa sobre cirurgias de reconstrução e rejuvenescimento vaginal. Segundo o DN, "até se consegue deixar uma mulher em permanente excitação". Mmmmmm... Ok, ok. Pode parecer excessivo, mas a informação nunca fez mal a ninguém, certo?






O post já vai longo, mas ainda me falta falar sobre um outro artigo do DN, desta vez sobre a humanização nos partos. Este dá-nos a conhecer a Humpar, Associação Portuguesa para a Humanização do Parto. Apesar do tema andar à volta do parto domiciliário, sobre o qual tenho muitas dúvidas, há algo que aqui se diz e que eu senti claramente das duas vezes que pari:

"Todo o ambiente hospitalar é prejudicial ao parto. É um lugar estranho e, como tal, sentimo-nos inibidas. Aumenta o stress, logo aumenta a adrenalina e diminui a oxitocina."

As palavras são de Ana Cristina Torres, mãe de nove filhos e fundadora da Humpar. São também postos em causa vários procedimentos hospitalares rotineiros, com uma ajuda da Organização Mundial da Saúde, como o toque feito vezes sem conta ou a episotomia - que cada vez mais é vista como uma violência inaceitável.

Olho para a ilustração de André Carrilho e ocorre-me uma Moral da História: eles rasgam-nos, eles cortam-nos, eles cosem-nos, eles reconstroem-nos. E tantas vezes sem pedir licença ou sequer justificar o que raio estão a fazer ao nosso corpo. Quando é que a nossa demente sociedade vai perceber que o corpo de uma mulher só a ela pertence?

8 comentários:

Perola Granito disse...

Uma boa semana :o)

Isabel Freire disse...

Mimi, só este post dava um ensaio.
o ciúme,
o sentimento de posse,
a necessidade de independência,
a virgidade,
a moralidade,
a imoralidade da moral,
a evolução médica ao serviço de ambas,
a técnica,
a despersonalização da técnica,
a tentativa de humanização da técnica,
a relação com o corpo,
a relação com o corpo dos outros,
a idealização do nosso corpo,
céus!!!
Como mulher também me sinto surpreendida e chocada com o facto de haver ainda mulheres que se submetem a um preconceito de pureza imaculada. Não parece real. Acho que é um sinal de que a sexualidade é um terreno ainda muito árido e penoso(em termos socias e pessoais). Nos questionários que tenho recebido, de mulheres que vivem em muitos cantos diferentes do país, percebo que muito para além das coisas que são evidentemente chocantes à primeira vista, como a himenoplastia, há imenso slêncio imperturbável, falo de coisas que não se querem pensar, admitir, explorar. O não sabe, não responde, típico dos inquéritos para sondagens aplica-se a um sem fim de capítulos que são afectividade, sexualidade, identidade, responsabilidade, biografia. E às vezes até parece que está tudo no lugar certo, que a sexualidade vai bem, que o corpo nos pertence. Mas é apenas uma falsa sensação. Silêncio imperturbável. Apenas isso.
O teu passado e o teu corpo a quem pertencem?

Isabel Freire disse...

MM,
O ciúme é para mim uma dor muito pior do que a de dentes. Na adolescência tive um namorado hiper-ciumento, que me atormentava diariamente - Claude Chabrol tem um filme sublime sobre o assunto, cujo título não me consigo lembrar agora. Nunca tive nenhuma relação 'extra-matrimonial' com ninguém durante os 3 anos em que estivemos juntos, eu e este namorado. Ele sim, teve. Mas fazia-me sentir perseguida, como se vivesse num regime totalitário, prestes a ir parar a uma prisão qualquer sem conhecer o crime, nem ser encontrada qualquer prova que me incriminásse. Nunca mais vivi uma coisa assim, felizmente. Era doentio.
O meu actual companheiro e pai da minha filha sempre me deixou a máxima liberdade para ir jantar fora, fazer as festas que me apetecer, não vir dormir a casa se me der para aí na cabeça, ter os AMIGOS que me apetecer sem fazer fitas, birras, beiços, cenas, tripes - abençoado!!!! Estamos juntos há 8 anos, da minha parte sem desvios de rota. Sou a primeira a mandar bocas quando alguém tem alguma coisa que me desperta interesse, e a desdramatizar o assunto. Isto parece que não,... mas é óóóóóóóptimo. Poupa-me gastos de energia ridículos. Sabe que se alguma vez a coisa não funcionar ou eu quiser que ela funcione de outro modo, provavelmente não me vou dar ao trabalho de construir um cenário, desenvolver uma mentira, contratar figurantes, representar fora de horas.
Em relação à himenoplastia, só consigo dizer: É INCRÍVEL!!! Não julguei ser possível. Mas se alguém em pleno século XXI pensa dessa forma, ainda bem que se pode socorrer da cirurgia para se 'salvar'. Já que não se socorre de outros meios para rever/analisar convicções/fundamentos, pelo menos que ponha a técnica ao serviço do corpo, afinal sempre lhe pertence e a liberdade é isso mesmo. Imagino que quem tem dinheiro e iniciativa para procurar esta intervenção, também tenha televisão, meios de informação, sei lá, que não viva no buraco mais inacessível do mundo, e se lá quer viver...

Mimi disse...

Pois, é isso mesmo: caso houvesse alguma coisa, para que é que eu haveria de mentir? Ainda por cima sempre disse a verdade, o que ainda torna as coisas mais ridículas! A questão é: será ciúme, genuíno, ou a tal cena da masculinidade, do homem machão que não suporta a ideia do par de cornos? Sim, faz-me sentir como se vivesse num regime totalitário, é essa mesmo a imagem.

Mas... repara no teu comentário: o teu companheiro sempre te DEIXOU a máxima liberdade. Eu não acho que mulher ou homem nenhum tenha que deixar ou dar liberdade. Tem que respeitá-la.
Mas gabo-te a sorte - esse caso é muito raro.

Anónimo disse...

Ouço o eco dos teus gritos de desabafo na blogosfera, Mimi
Gruta onde numa cadência repetida
ecoam apenas pequenas partes distorcidas de f(r)ases
Gritam o meu nome e não as reconheço
É tão injusto
e triste e sombrio
e é uma sombra de mim para onde olhas
e é nessa direcção
que o eco de amor
se confunde com dor

Mimi disse...

Eu diria que todos temos partes sombrias e que não se pode pedir a ninguém que as ignore. Não por muito tempo, pelo menos. Recusar ouvir, acusar, interferir ou não querer o desabafo, isso sem é sombrio. Ouvir de ouvidos bem abertos, reconhecer, perceber finalmente, isso sim é que era bom. Mas há realmente quem não queira mesmo ouvir.

Caiê disse...

Já tive relações sufocantes com alguém muito ciumento. Acabei por concluir que ele era demasiado inseguro em relação a si próprio e também muito carente e necessitado de tudo. Ora, eu não era responsável por nenhuma destas coisas... No entanto, acabei por concluir também - com alguma mágoa - que tinha sido responsável por deixar que ele conduzisse a relação naquela direcção, não mostrando, desde o início, que tinha direito à liberdade e às minhas amizades, fossem de que sexo fossem e que não era escrava dos medos dele. Decidi portanto, queixar-me depois de longo tempo quando ele já estava habituado a certos rituais e não via porque tínhamos de mudar! Isso ainda o fazia mais desconfiado- eu queria mudar subitamente, ao fim de tanto tempo, devia ser porque tinha um caso, é que só podia ser isso! Eu, pela minha parte, queria mudar, porque não podia ceder mais, sempre tinha sido eu a ceder e estava farta.
Enfim, como vês, a linearidade não é tão linear. Acabámos por terminar a relação, mas hoje creio que devia ter sido firme desde o início.

Mimi disse...

O meu caso é mais "complicado": primeiro não admitia coisa nenhuma (e o gajo aturou-me muito), depois tornei-me mais compreensiva e branda e comecei a pensar que o melhor era abdicar de algumas coisas. Agora vejo que não só não adiantou de nada, como ficou mal habituado. Por muito que abdique dos meus espaços, parece que não abdico o suficiente!
O mais estranho é que parece nem sequer ter noção das coisas... Não perceber que a desconfiança constante é uma violência é absolutamente inacreditável. E mina qualquer relação.