quinta-feira, 30 de março de 2006

29 de Março

Trabalho por turnos. Ontem, ao passar para a agenda os horários de Abril, reparo que há uma semana em que pura e simplesmente não iria estar com as minhas crianças. Três dias a sair à uma da manhã, dois a sair às 8 da noite. Conversa irritada com a chefe. Relembro-lhe que o acordo de empresa especifica que os horários devem ter em conta a mítica conciliação entre família e trabalho. Diz-me que não tem meios para assegurar os turnos de outra forma. Digo-lhe que nenhum emprego pode funcionar à custa da vida familiar dos trabalhadores. Discussão. Estou cansada de tanta luta laboral. Chega.
Saí irritada, atrasada e despenteada. Não me lembrava onde tinha estacionado o carro. Voei até ao infantário. Trânsito infernal e o tipo da frente que não anda. Stress. E nem sequer tenho cigarros para passar o tempo. Estaciono o carro com quatro piscas em frente à escola. O lugar reservado está ocupado. Rodas em cima do separador central, meio carro no meio da estrada. Entro e tenho uma conversa com a educadora - peço-lhe que não diga verdades absolutas aos miúdos, porque depois tenho que a desmentir em casa. Até na ciência as verdades são provisórias e todos os dias a MB chega a casa cheia de preconceitos e aterrorizada com a ideia de ser diferente. Somos todos diferentes uns dos outros, MB. E não me apetece ter conversas de adultos com crianças. A educadora compreende e promete refrear os seus ensinamentos classe média.
A esta altura sou um isqueiro e só penso em esfumaçar. Pego nas manas e atravesso a rua em direcção ao café. Compro um maço de tabaco para mim e não compro nem chupas, nem smarties, nem bolo, nem kinders. Não, também não compro a revista das bruxas, já disse, não sejam chatas e não, não adianta fazer birra. Seguimos pelo passeio em direcção a casa. Berreiro e a mãe é má. Não é má, é Péssima. A ML pisa cocó de cão. Praguejo contra os canídeos e os seus donos.
Agora acho que mereço vir à net descontrair. Venho aqui, vou ao Substrato. O M. chega a casa cedo e de cabelo cortado. Fico contente por vê-lo. Dou-lhe um beijo. Pergunta-me se tenho alguma coisa pensada para o jantar. Digo-lhe que não. Ele vai até à cozinha e volta. Apetece-lhe um frango de churrasco. Acho óptimo. As manas entram em guerra. Pedem intervenção da mãe. Ignoro e organizo papelada. O frango chega da rua a cheirar a brasas. O M. põe a mesa e chama-nos. Conto a discussão laboral e digo-lhe que temos que redistribuir tarefas. Que isto de ir buscar e levar as miúdas todos os dias me corta os movimentos e que é absolutamente incompatível com a minha profissão. Dá-me o stress doméstico e queixo-me do excesso de trabalho. Que faço isto e que faço aquilo e que tenho que pensar em tudo e que ele cada vez faz menos. Ele diz que não lhe apetece discutir o assunto e atalha a conversa com "uma surpresa para as crianças".
Vem da cozinha com um bolo de chocolate e nozes. As miúdas rejubilam. O pai diz que ainda tem outra surpresa. Faz suspense. Anuncia que aquele é um bolo d'anos. O pai faz anos... Quarenta. Quarenta anos. Fico pior do que estragada. Mortifico-me. Esqueci-me mais uma vez dos anos dele e ainda escolhi este dia para o chagar com as lides domésticas. Tento consertar a situação. Ele diz que não faz mal, que não liga aos anos e que só comprou o bolo por causa das crianças. Desencanto uma vela e cantamos os parabéns. Arranjo baby-sitting e convenco-o a ir dar uma volta.
Tento pôr-me um bocadinho mais bonita, mas as olheiras não perdoam. Saímos. Cinco minutos na rua à procura do carro. Fosga-se. Esqueci-me do carro com os quatro piscas ligados em frente à escola. Caminhamos rua fora e eu rezo para que ninguém tenha chamado o reboque. Não chamaram. Está um homem a fazer manobras para conseguir esgueirar-se pelo buraco que lhe deixei para passar.
Bebemos uma sangria no Noobai. No espaço reservado para as crianças, os brinquedos dormem. A esplanada está cheia de casalinhos despreocupados. Ali, em frente ao rio, a vida parece ter outro ritmo. Relaxamos. Estamos cansados, mas ainda nos apetece estar na rua. Na Bicaense, um bom concerto de jazz. São todos óptimos, mas é o tipo do contrabaixo que me agarra. Na rua do elevador, copofónicos com penteados da moda divertem-se. A noite está divinal. Há amigos nossos por ali. Não têm filhos, não trabalham de manhã. Cedemos ao peso das pernas e das pálpebras e voltamos para casa. Parabéns, meu quarentinho. Happy Ending.
After all, tomorrow is another day...

11 comentários:

Mimi disse...

É horrível ter razão e ainda assim levar uma bofetada de luva branca do gajo...

Ainda bem que existem, MMAs! :)

Caiê disse...

Só para dizer que concordo contigo em relação ao Canadá. Aquele post era dirigido a uma pessoa específica que sabe muito bem quem é.
Uma coisa, porém, para ti: em Portugal também somos duros com os imigrantes. Casei em Portugal com um estrangeiro e só faltava ter o SEF a pôr-me um letreiro... com 4 letrinhas. A imigração é uma bosta em todos os países que conheço.

Isabel Freire disse...

MM, que dia fantástico. Raios partam a rotina dos sem graça. Os dias organizadinhos, as agendas electrónicas que fazem bip no dia D. As cabeças curtas que não fazem longo-cirtuito, e não dão faísca. Os carros que se estacionam sempre no mesmo sítio. As crianças que não blasfemam. Os casais que não se atormentam. A perfeição sucks. Danke pela leitura, ainda bem que há dias assim. Como diz Câie,... 'viver é escolher' e (re)correr. Parabéns a vocês. Bjs e um bom dia.

Mimi disse...

:) Não tinha visto a coisa por esse prisma, VW. Gosto. Já vos disse hoje que vos adoro?

Caiê: claro, ainda há pouco tempo atrás denunciou-se aqui um caso de ilegais que estavam à espera de deportação em condições absolutamente desumanas. E estavam nas mãos do SEF. O suplício só terminou com as câmeras de televisão. Ainda assim, acho que a nossa merda cheira muito melhor do que a merda canadiana...

péssima disse...

ehehehehehehhehehhe

(Sabes que a minha mãe me liga às 9 da manhã de todos os dias de aniversário que ela considera importantes? Até mesmo no dia de anos do meu marido? Até mesmo no dia de anos de aniversário do meu casamento? E mesmo até no dia em que ela mesmo faz anos? E que mesmo assim, invariavelmente eu me esqueço?)
Quanto ao dia, concordo com a VW. São estes dias que nos fazem sentir vivas, e ... diferentes :)
Uma vez lembro-me de irmos carregados com compras para casa e descobrirmos, ao chegar, que nos tínhamos esquecido do carro no parque de estacionamento, claro que isto foi depois de termos discutido a possibilidade de nos terem roubado o carro, claro.

Mimi disse...

a minha avó costumava fazer isso... desta vez resolveu telefonar logo ao M, pelos vistos às 7h30 da matina.
Contou-me o M. que ouviu o seguinte diálogo:
- a esta hora já está a trabalhar
- não está, é muito cedo, ligamos mais tarde
- está
- não está, é cedo
- de certeza que já acordou... ah! olá M! Acordámo-lo?
- vês como estava a dormir? eu disse, eu disse!
-shiu! está calado! então parabéns, M!

(os meus avós aturam-se há uma eternidade)

Isabel Freire disse...

Prémio mmá-mau já para os teus avós!
:)

Caiê disse...

Olha, o meu companheiro também se esqueceu dos meus anos este ano... Fingiu depois que não, lá remediou a coisa e eu deixei-o fingir que é o que faz quem gosta de levar a vida alegre! :)

putafina disse...

Lindo, b.
:)
São estórias assim que nos fazem sentir menos "aves raras" neste planeta.
No outro dia consegui ficar do lado de fora de casa, sem chaves, sem telefone, sem possibilidades de sair com o carro da garagem, e só entrei ao serviço (depois de palmilhar... tenho sorte que apesar de não ser ao virar da esquina, até dá para ir a pé, quando não há alternativa...). Tive que esperar que alguém chegasse ao trabalho (porque é preciso chave para entrar - e queria ter começado a despachar coisas mais cedo!)
E assim ficou o dia todo baralhado porque deveria ser eu a ir buscar os miúdos às escolas, e a pé é que não dá!

Anónimo disse...

Só agora é que entrei pelo Firefox e consegui ler este post inteiro.

Os parabéns atrasados. E ao M também.

Mimi disse...

Péssima! SOS! nem sequer a malta do costume consegue ler os posts até ao fim! :(