quinta-feira, 9 de março de 2006

Script para curta de 3’’


Cozinha, bancada semi arrumada, frigideira com restos de comida, roupa húmida na máquina exausta da centrifugação, kinder shocolade macht die pule gerade (ovos kinder fazem a pila grande) mal escondidos atrás dos três pacotes de café no armário com vidro ‘dedado’.
Sala, tv apagada, pc em esforço, janela do prédio em frente com luz acesa, sofá cheio de migalhas, filmes empilhados, aquecedor ausente, telefone em silêncio.
Quarto, miúda dorme virada para a parede, tapada com a mantita desenhada, e uma embalagem de creme redondo na mão, como se fosse um ursinho de peluche, um boneco despido sobre o tapete, pilhas de coisas em arrumação anárquica num armário alto, portadas fechadas e breu.
Eu, orelha quente do telefonema de um tipo que conheci outro dia de raspão, a dizer-me que existo, que havemos de nos ver, que que que.
Ele, chaves na mão, com a madrugada a pesar nos ombros, os olhos vidrados de uma cerveja com o amigo depois do follow spot fechar as pálpebras.
Nós, trocamos objectos na sala, ele dá-me um cigarro, eu devolvo-lhe um isqueiro. Caminhamos os dois para a janela com vista para o Sena, mas estamos em Lisboa, encostamo-nos à primeira coisa vertical que nos aparece, falamos sobre uma ou duas banalidades.
A conversa, que te parece de um telefonema assim e assado, de um homem que me encontrou perdida na rua e se baixou para apanhar uma sombra pequena, pegou-lhe com a mão e depositou-a de frente para os meus olhos? Não me parece nada. Prefiro não te dizer o que me parece.
Os pilares desencostam-se, caminham sobre o soalho até à sala, sentam-se no sofá, pensam em surdina, acusam cansaço, recusam-se a pensar que amanhã é outra noite.

Nota: Qualquer semelhança entre estas figuras e a minha realidade é pura tentativa de difamação intencional, indesculpável, daquilo que pode ser às vezes a instituição família, o curso dos rios, a geografia das identidades, a partilha dos amores e um fabuloso slogan de chocolate redondo com surpresa no interior.
Pure fantasy!

Imagem de Eléonor Didier, coreógrafa, espectáculo Solides-Lisboa, Foto de Gael Cornier,

12 comentários:

Mimi disse...

Vocês tenham calma - viver a dois não é fácil. E a três muito menos. Se faz parte da vida, porque raio é que haveria de ser uma coisa sem ondas?

Anyway, fiquei curiosa: só a orelha é que estava quente? E qual orelha? mmmm?

Mimi disse...

e o que esses encontros furtivos ajudam ao reencontro?

aconselho vivamente.

péssima disse...

Traição?! Só se for a ti própria.
E sim, concordo com a Mimi, não é nada fácil viver a família, seja ela com 2, 3, 4 ou mais elementos.
Há cedências e conquistas que só se conseguem passados muitos anos. Neste percursos há quem resista e há quem não o consiga. Eu penso que tudo é válido, desde que estejas bem com a tua consciência. [há tanta coisa para dizer sobre este assunto que me faltam palavras escritas, havemos de falar disto um destes dias]

péssima disse...

Entretanto tenho mais um drama cá em casa.
Como o meu piolho já experimentou um DdD e não achou piada, agora anda tristíssimo porque ainda não lhe caiu nenhum dente.
Estamos assim, todos à espera do DeqoDC (dia em que o dente cai):
– ó mãei, vê lá se está a abanar?
Agarro o dente e simulo uma força sobre humana:
– Não, ainda não abana!
Vira-se e choraminga por três segundos.
: )

péssima disse...

VW, porra gaja! Tu escreves baaaaaaasofo! :)
(o significado da palavra esquisita está lá para baixo num post)

péssima disse...

É verdade!
Foi impressão minha ou esta cerimónia de novo presidente da república parecia uma cerimónia de casamento real?

Mimi disse...

Pois também acho que este assunto dá uma boa tertúlia. Há mesmo muito para dizer.

Só digo que a Péssima tem razão quando diz que há conquistas que demoram anos. E também não se entrega assim o ouro assim a um bandido ou bandida qualquer lá porque nos deu um filho.

O máximo que nós - MMAS - podemos fazer é partilhar experiências, porque os intervenientes são diferentes.

Mas digo já às MMAS em crise que os primeiros anos das crias - ainda muito dependentes - baralham qualquer um. Os anos seguintes são melhores, garanto. Os filhotes vão ficando independentes, libertando assim vários espaços de que precisamos muito para andar equilibradas. E depois há os problemas económicos, que também arrasam qualquer relação.

Tudo isto são pormenores de caca se ainda gostarmos de quem temos ao lado. Como é que era aquela história dos casamentos? Nos bons e maus momentos? Só os maus momentos revelam se há companheiro ao lado. É essencial que haja companheiro ao lado. Há sempre um dos membros do casal que de vez em quando apanha com tudo em cima. O que é importante é que não seja sempre o mesmo. Para que um possa andar em crise, o outro tem que estar lá a apanhar os pedaços.

Isso é que é importante que esteja bem claro - eu apanho os teus cacos, mas tu também tens que apanhar os meus. Eu estive sobrecarregada, convém que compenses de livre e espontânea vontade.

Há que falar sobre as coisas. Queremos continuar juntos? Então vamos fazer com que dê certo. De que é que precisas? Eu preciso disto. Não queremos? Acabe-se com o sofrimento. Mas cuidado com o não quero imediato. Pode ser uma fuga para a frente. Uma solução fácil pode não ser solução nenhuma.

Sempre que me apetecia separar, fazia o seguinte exercício mental: "e se nos separássemos e se o visse feliz com outra? Ficava na merda? Ficava. Então não chegou a hora"

Se algumas coisas desiludem, acreditem que os vossos homens terão uma carrada de pontos fortes que ainda não vos mostraram. Eu ando apaixonadíssima outra vez, depois de já o ter odiado várias vezes. Ele já foi horrível e já foi óptimo. E eu também. Ainda andamos por cá.

Temos resistdo ao tal longo e sinuoso precurso. Mas só porque gostamos mesmo um do outro. E eu cada vez gosto mais dele por já me ter aturado tanto - o que vivemos hoje é assim uma espécie de prémio de resistência. Uma coisa rara e boa. Não é todos os dias que se encontra alguém que goste de nos aturar.

Quanto ao conceito de traição... Eu sou atípica nesta matéria, sei disso. Mas há "traições" que só ajudam a ver mais claro.

Se opto por me divertir sem chatices, sem dias seguintes nem justificações, e depois sinto falta de mais qualquer coisa... se depois me sinto sozinha quando na verdade queria era estar acompanhada... Bem... há mesmo muito para dizer, MMAS.

Qual é a outra hipótese? Uma separação de que depois nos arrependemos? Ou ficar a olhar para o gajo e achar que haverá muito melhor por aí? Achar que aquele não serve e não confirmar nem desmentir?

Não digo que andem aí a dar quecas pelos cantos, mas que andem atentas. Só isso.

Caiê disse...

Eu ia escrever as minhas opiniões mas a mimi já escreveu (neste último comment) quase tudo o que eu tinha para dizer. Assino por baixo.
Só acrescento uma coisa: parece tolice, mas escrever ajuda a libertar. A mim, pelo menos, sim (e não estou a falar de blogs, evidentemente). ;)

Isabel Freire disse...

Dear MMÁs,
Tudo vale o que vale. E as palavras tb. As vossas valem-me por tudo, as minhas valem por tudo e por nada.
:)
As histórias reais e de ficção lembram-nos que não há paraiso na terra e que a imperfeição é criação.
Às vezes há até quem pense que não basta estar vivo para morrer.
Bjs e muito bom dia a todas(os)!
VW

Isabel Freire disse...

Basofíssima PSSM,
Nesta intifada de beijos quem mandou a primeira pedra foste tu...
ehehehe

Mimi disse...

TENHO MEDO... de me estar a transformar na Laurinda Alves!

Estarei a ficar uma MMA sensata e chata?

AJUDEM-ME! PLEASE!

Isabel Freire disse...

Menina MM,
:)
Faça-nos o favor de ser chata e sensata quando bem lhe apetecer, mas transformar-se numa L.A. Women é que não!!
Don't worry, para lá chegares precisas aprender a 'chagar' a outro nível e altura (não estás preparada ainda).
ehehehe
As tuas (e vossas) considerações fazem-me bastante bem, é para isso que vou vomitando por aqui o que me salta assim sem tampa.