terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

A toxina


Há um momento especial a registar na semana que passou, começou, bem, isso pouco ou nada interessa. Eu vinha agarrada à paisagem, aos plátanos despidos, gigantões, em piloto automático. Lá atrás, no banco do carro emprestado, a raposa espreitava o mesmo que eu, com outro ponto de vista. Vejo à frente, na estrada, uma caravana de carroças com famílias de ciganos em cima. Mando um berro! Mêchian, Mêchian - vulgo raposa - olha olha! Abrandei a marcha. Ultrapassei com a iris bem focada. E lá estava. Mister Brutal. Mister Toxina. Mister Fuck me if you can. Já não o via há uma década, na certa. Conduzia aquele burro com o mesmo desempenho físico de sempre, o corte de cabelo sem corte, o escárnio vivo no canto da boca bem repuxada, em jeito de herói de BD, e os ombros coreografando qualquer coisa que os coreógrafos não sabem explicar aos bailarinos e os balarinos não sabem interpretar... nunca... jamais... assim - é a minha opinião. Que se foda. Desculpem os maus modos, mas apetece-me muito ser mal criadinha. Enquanto me fazia ao alcatrão como mirone, qual energúmenos que páram para ver o acidente, olhei pelo retrovisor. A raposa deliciava-se como eu.
Mister Brutal é um toiro enraivecido, da minha idade, para aí. Quantas vezes não o vi andar à biqueirada, cabeçada, paulada, nas ruelas mouras desta cidade Natal que para ser muito franca é tão bonita quanto insuportável. Mister Toxina era indomável. Mister fuck you if you let me era uma figura de cinema. Mister Fuck me if you can gostava de usar a força de todas as maneiras. Crua e ensanguentada. Mas também assim: chegava-se perto de um casalinho apaixonado, dizia ao 'bacano' que tinha escolhido uma miúda gira, fazia-se até meter nojo, pedia beijinhos sempre sem excepção, e o orgasmo dele era outro. O prazer de ter o poder, ver suar uma gotinha nas têmporas. Ai aquele prazer. É o vício do poder. Os parlamentos e os gabinetes de ministérios estão cheios deste esperma. Miss, aquilo era o diabo em forma de raiva. Ninguém ninguém poderá mudar o mundo, só Mister Mister. Vê-lo assim vivo, a dar com a chibata no bicho, virado para trás na galhofa, deu-me um prazer louco, foi como visitar um ente muito muito querido que morreu de velho há muito, num cemitério verdejante, com esplanadas e pássaros, ou passaros, sem acento, que é muito mais bonito. Mister point me a gun, um dia, um ano, passou à frente da casota onde eu vendia livros de uma feira com 40 graus à sombra. Chamei-o porque nos escaparates do meu boteco botequim não interessa nem ao jardim, havia um livro de fotografia, e Mister Toxico estava ali retratado, com a inocência dos 12 ou 13 anos, com o mesmo glamour e muita muita poesia.
Never forget you babe!

Pintura: Jed Dougherty

11 comentários:

Isabel Freire disse...

Os dias são feitos de pequeninos nadas.
:)
hoje não me apetece falar de filhos, maridos, namorados, trabalhos e o raio que o parta.
foi um conselho médico!!! dê-se ao prazer!!!

péssima disse...

; )
fixe!
fico buédacontente!

Mimi disse...

Conselho médico nº2:
só lhe fará bem praguejar se não pedir desculpa a seguir. não são aconselháveis problemas de consciência de qualquer tipo.

Folgo em saber que não sou a única a ter fixações por tipos feios, porcos e maus.

(pensei que o que chamavas à raposa era madchen - não sei do trema)

Isabel Freire disse...

MM, tens razão :)
VAI-TE com as desculpas!
Mêchian é uma fusão-derivação. Começou por um diminutivo Mé, de autoria da minha mãe, evoluiu para Mécian, por acrescento do sufixo diminutivo germânico e finalmente evoluiu para uma coisa que é parecida com o Maedschen (menina) alemão.

Mimi disse...

sim - chamam-se feromonas e conheço bem o poder delas. controlar para quê? explosiva é a combinação feromonas + chocolates. há gajos que savem muito...

Mimi disse...

ok... mente sinuosa again. sabem?

péssima disse...

Apesar de achar que os direitinhos são melhores para trazer por casa, os maus da fita são quem me agitam as feromonas. Sim, sim, esses encantam-me.

péssima disse...

: )
Lembrei-me. Nos meus tempos de liceu tinha uma amiga que era louca pelo Ringo Star (eu era mais Frank Zappa).

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Mimi disse...

atenção que o gajo mais gordo e feio do mundo pode ter feromonas
potentes.
depois há os que são 2 em um - tipo o do krav maga. não sentiram todas que o tipo tinha qualquer coisa? estava no ar, meninas...

tive em tempos distantes um namorado que não durou muito e que era uma verdadeira estampa (parecia um quadro, de tão bonito) - sei hoje que as feromonas dele não deviam ser grande coisa.

e não, não estamos a falar de homens bons como eles falam de gajas boas, pelo simples facto de eles não comentarem o facto de estarem a falar de gajas boas. nem eu quero ser igual aos homens.

gosto de ser mulher e de ter conhecimentos sobre biologia e natureza humana.

ps-olá péssima!;)

péssima disse...

Ehehehehe

Distracções:
O meu homem tem uma coisa de plástico do dedo maior da não esquerda.
Não, não é nenhuma nova tecnologia do foro sexual, é um objecto para tratamento de uma “mallet finger”.
Hoje, no carro, o meu bicho das castanhas perguntou-lhe “mas isso é uma tala ou uma tela?”. Eu, muito depressa, com a melhor dicção que consegui berrei em forma explicativa para o banco traseiro: “ t a n g a”.
Depois do silêncio escancarei-me a rir. O meu inconsciente tem destas coisas…
;)