As ‘mmás’ são um espaço e um tempo para experimentação não isolada. Uma forma de sair do armário da maternidade, com liberdade para que mães, mulheres anónimas, se exponham, se interiorizem, se lembrem, se banalizem, se encontrem, se distanciem, se analisem, se ilibem ou o que bem entenderem.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006
Oito eléctricos chamados desejo
Chove. Fumo um cigarro à porta de um café que tem ‘o’ espelho de Charles Chaplin na parede – há tempos que não me cruzava com nenhum. O dono é cigano, tem aquela coisa do ‘tou-me a cagar’ impregnada nas roupas como traça. Lá fora tudo é Graça. Lisboa, obviamente. Penso que os pingos estão para parar e o eléctrico para chegar, assomo-me da paragem, aguardo aquele ganir digestivo da máquina com leme pequeno, aparece uma velha de guarda-chuva, com muito tempo na malinha de mão, bem enganchada por causas dos carteiristas. Lembrei-me de imediato da casa em Benfica onde vivi no primeiro ano da minha capital maioridade. Havia uma cabeça de touro embalsamada sobre a soleira da porta de entrada, se houvesse terramoto, o abrigo tinha um par de cornos a fazer pega à tremura. A ‘jarra’ toirina tinha sido trazida por um famoso carteirista, depois de uma viagem em lazer por terras de Espanha. Foi uma prenda para a dona da casa que tinha também um café daqueles onde cada panela serve uma causa. A causa da bifana, do coirato, dos pi-pis. A senhora era ‘uma mãe na terra’ para aquele tipo, que entrava às 8h00 e saía às 21h00, sem picar ponto, no metropolitano de Lisboa, e sem contrato nenhum. Muitas vezes quando o telefone soava lá no café, já se sabia que era imbróglio de larápio. A mulher decidida ligava ao mestre, dava indicações sobre a hora e o sítio em que tinha ocorrido o gamanço, excepcionalmente o apelido do dono da coisa (mas isso pouco relevo tinha, muitos dos gatunos eram analfabetos convictos), e horas depois o património aparecia com as impressões digitais apagadas e um bocadinho de baba nas notas que voltavam a entrar para o sítio de onde nunca deviam ter saído. Gente honrada. Outros tempos, terá pensado a velha ao meu lado, na paragem do eléctrico, depois de me ouvir os pensamentos. Eu, inquieta, molhada, desesperada, seguia-lhe o olhar para o cordãozinho umbilical que alimenta o transporte amarelo. “Quando o eléctrico aí vem, o ‘coiso’ lá em cima treme muito”, responde ao meu ar indignado. Nada. Chovia e nós esperávamos. Eu chovia também. De repente apareceram oito eléctricos vazios, em filinha indiana. A velha adiantou-se-me. Eu voltei a pensar na cabeça de boi, na cidade fantasma que me parecia Lisboa, e em tudo o resto que não posso contar a ninguém. Alguém me roubou qualquer coisa e eu só agora percebi o quê.
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16 comentários:
Está um romance muito bem escrito,mas o tem a ver com este site?
um romance... ehehehe
respondendo à pergunta, é ler as instruções no topo da página
No cabeçalho deste site fala-se em sair do armário da maternidade e isso passa por falar de filhos, de maridos, de nós próprias, do mundo, do que nos apetecer. Acho que essa liberdade é que nos (me) faz falta. Além disso, as coisas andam todas muito ligadas umas com as outras, mesmo que à partida assim não pareçam.
Onde acabam as mães e começam as mulheres? Onde acabam os pais e começam os 'amados'? Onde começa a filha e acaba a criança? Onde começa a birra deles e acaba a nossa? O que começou em nós quando eles chegaram ao mundo e o que desapareceu nesse dia?
Olá a todas as mmás, eu hoje tive cinco minutos para pensar em mim. O dia de amanhã, logo se vê...
Best wishes a todas as anónimas que nos espreitam
:)
VW
Olá Whitinho, pode e deve engrossar as fileiras das mmás. Esperamos por si!
:)
AH! a vêdabliú está de volta. sim, sim, simmmmm
: )
Ó anounimous, aqui, neste espaço, nada tem de ver com nada.
Vê isto como um caixote do lixo, onde o lixo de alguém é reciclado e reaproveitado por outro alguém.
As mmas são muito organizadas e arrumadas, umas autênticas boas donas-de-casa, e estão sempre a fazer lides mentais.
whitinho! Bem-vinda.
Sabes?! Nem mesmo nós sabemos muito bem ao que vamos, mas a piada reside nisso mesmo. Eu cá tenho na ideia uma tarde carnavalesca.
Ok, já percebi este é um espaço de libertação. Não me levem a mal, acho que vocês escrevem mesmo muito bem, foi apenas uma provocação para tentar interagir convosco. Já percebi que são todas amigas e pela escrita são jornalistas bem formadas,não?
BEM-VINDA WHITINHO!
Eu também conheci as mmas através de um artigo, mas pelo que saiu na Grande Reportagem, antes do da Pública. Fui, gostei e fiquei!
Aparece!
Péssima: e que tal fazermos também uns cartazes? parece que no Domingo vou estar sem crianças. a minha família, que tem direito a pontes e a feriados (eu trabalho na 3ª às 6h30 da matina), está a pensar em ir dar uma curva para outra cidade.
E sabem que mais? Não gosto nada quando se piram todos ao mesmo tempo! É incrível o que já mudei desde que fui mãe...
Eu também gostava de ir no Domingo,divertir-me um pouco,mas não tenho com quem deixar o meu pequenino. Quando a Whitinho consegue sair de casa aos 3 meses e meio após ter sido mãe é de louvar. Na verdade eu tive meses para conseguir fazer alguma coisa que não fosse tomar conta do meu filho.
Bem-vinda anónima! Nós adoramos provocações e tudo o que nos faça sair do marasmo.
Nós tornámo-nos amigas, mas eu, por exemplo, não conhecia nenhuma delas antes. Apareci na Casa dos Dias da Água sem saber quem eram as mmas. Aparece tu também e traz as tuas provocações!
Há jornalistas por aqui, mas também estão representadas outras profissões. Só não temos ainda donas-de-casa (penso eu de que).
Mãe galinha:
Podes levar o bebé, no problemo! Aparece e traz o rebento! Eles também gostam.
Mimi, eu sou dona de casa!
Só não o sou a full-time, fisicamente, porque mesmo não estando lá, faço muitas vezes "contas de cabeça".
É a tal estória de não ser uma profissão remunerada! Percebi-te!
Adorei o teu "romance" da VW!
É bom saber que te encontraste nem que seja por vários instantes.
Lembraste-te de quem eras ou coisa que o valha?!
Por vezes também me acontece...
E depois tento agarrar essa memória para tentar ser mais como a de outros tempos.
Agora adoptei um método (simples à primeria vista, mas foi um parto difícil de interiorizar e uma grande conquista para mim!): Não abdico da MINHA hora de despertar... Mesmo que os putos não não fiquem despachados a tempo, mesmo que o pequeno-almoço fique pronto tarde, mesmo que cheguem atrasados!
Recuso-me a levantar-me 15 minutos que seja mais cedo, para fazer as vezes de duas pessoas, quando existe mais alguém em casa nesse arranque de dia.
Comecei na nova terapia há 2 meses e começo a sentir os resultados!
Ok podem rir-se... Eu pelo menos estou a sorrir! Mas o assunto é sério.
Quando chegamos ao ponto de colocar o micro-ondas a trabalhar depois de tirar o leite, de encher a caneca de leite quando ela já estava full, e limpar-me antes mesmo de fazer xi-xi... Acho que temos que começar por algum lado!
Dear PTFN,
Eu só encontrei/assumi a falta. Gosto muito da imagem de alguém que se limpa antes do xi-xi. totalmente monteepáitone.
:)
Wish you a melhor sorte com essa terapia. Se resultar acho que vale a pena escrever um livro, do tipo daquele "Como ter sucesso na vida e fazer amigos", mas numa versão, "Como ter marido e filhos, sem olheiras nem neuras"
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semelokertes marchimundui
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